O desaparecimento das joias de Vó Dedé

Hoje quero contar um caso antigo, daqueles que parecem novela, mas que realmente aconteceu. Eu ainda era criança quando tudo se deu, e até hoje dou risada só de lembrar. Minha avó paterna, Dona Dedé — ou “Vó Dedé” para os íntimos e para o bairro todo — era uma mulher vaidosa e cuidadosa. Cuidadosa até demais, diga-se de passagem. Suas coisas eram tratadas com mais zelo que vaso de porcelana em loja de cimento.

Todo ano, no aniversário de casamento, meu avô (o finado, que Deus o tenha... e que continue lá) presenteava ela com uma joiazinha de ouro. Não eram joias de novela das nove, mas para Vó Dedé tinham valor inestimável. E onde ficavam? Num baúzinho trancado a sete chaves, que parecia mais forte que cofre de banco. Só ela e minha tia — que morava com ela — tinham acesso ao baú sagrado.

Essas joias só saíam em ocasiões solenes, como casamentos, batizados, aniversários... ou se o Papa resolvesse visitar o bairro. Vó Dedé era dessas. Ela gostava de exibir seus tesouros enquanto fumava um cachimbo na porta de casa, proseando com quem passasse — conhecido ou não. Aliás, o movimento na porta era tanto que parecia fila de banco em dia de pagamento. Os vizinhos também se juntavam pra bater papo depois da janta, e eu aproveitava pra correr, brincar, invadir as casas alheias e fazer algazarra com as outras crianças. Tempos bons.

Mas vamos ao mistério. Um belo dia, deram falta de uma das joias do baú. Foi como se a casa tivesse sido atingida por um cometa. O caos se instalou! Vó Dedé ficou em estado de guerra, minha tia chorava em surdina, e até os vizinhos foram convocados para a “operação caça-joia”.

Evidente que nós, as inocentes criancinhas, fomos as primeiras vítimas da suspeita. Nada de brincar nas casas vizinhas, nada de entra e sai. A rua virou uma Scotland Yard improvisada. Até o delegado — que, por coincidência (ou castigo), morava na mesma rua — se envolveu no caso. Impressões digitais, interrogatórios, depoimentos... só faltou a trilha sonora de suspense.

Nada foi descoberto. As joias sumiram como se tivessem virado fumaça de cachimbo. E com isso, novas regras foram criadas na casa: ninguém entrava no quarto de Vó sem escolta. A limpeza era feita sob vigilância digna de filme de espião. O lixo era revistado como se tivesse diamante escondido na casca da banana. E o quarto, esse virou praticamente um cofre suíço.

Com o tempo, Vó Dedé foi se conformando. A vida foi voltando ao normal... até que, anos depois, veio o jantar de bodas de casamento. A família toda foi convidada, e como parte do ritual, Vó queria escolher uma joia que combinasse com seu vestido. Mas antes, chamou um especialista para fazer um inventário das peças restantes no baú.

O especialista entrou no quarto sob um esquema de segurança que faria inveja à CIA. Só ele e minha tia podiam entrar. O resto do povo ficou do lado de fora da casa, torcendo o pescoço pra tentar enxergar alguma coisa pela fresta da janela. Tinha até viatura policial parada na porta, cortesia do delegado, “só por precaução”.

Lá dentro, enquanto o especialista examinava cada peça, algo inesperado aconteceu. Ao esvaziar completamente o baú... ele descobriu um fundo falso! E o que estava lá? Sim, as benditas joias desaparecidas!

Foi um auê. A notícia voou como fofoca em grupo de família. Alguns diziam que os criminosos tinham devolvido as joias depois de receber o resgate. Outros juravam que a polícia tinha prendido uma quadrilha internacional. Teve até quem garantiu que uma vizinha sonhou com o paradeiro das joias na noite anterior. Vai entender.

No fim, ninguém tinha roubado nada. As joias estavam lá o tempo todo, apenas escorregaram pro fundo falso do baú. Vó Dedé ficou com cara de quem viu assombração e riu de alívio. Minha tia respirou fundo pela primeira vez em anos. E os vizinhos? Continuaram falando do caso por meses, como se fosse um episódio perdido de alguma série policial.

Depois disso, a vida voltou ao normal. Quase. Vó e minha tia mantiveram os mesmos protocolos de segurança. E Vó Dedé, altiva como sempre, voltou a fumar seu cachimbo na porta de casa, cercada pelos amigos e vizinhos — como se nada tivesse acontecido.

Mas a gente sabe. A rua nunca mais foi a mesma.