O velório da Empatia

O velório estava cheio, porém, ninguém chorava. Havia muita gente tagarelando, mas poucos realmente diziam alguma coisa. No caixão, jazia a Empatia: pálida e serena, como se nunca tivesse existido de verdade. Um padre ou pastor, sei lá (e não importa) fazia um discurso genérico sobre tempos difíceis, enquanto alguns enlutados tiravam selfies com a defunta ao fundo e postavam com legendas do tipo "Descanse em paz 😔 #Luto #EmpatiaSeFoi".

No canto do salão, a Paciência e a Compaixão se abraçavam, inconsoláveis. O Egoísmo, vestindo um terno caríssimo, circulava entre os convidados, distribuindo tapinhas nas costas e assegurando que tudo ficaria bem, desde que cada um cuidasse de si mesmo. A Hipocrisia, por sua vez, chorava de soluçar, garantindo a todos que sempre foi muito próxima da falecida, apesar de nunca ter estado por perto.

O cortejo seguiu até o cemitério, e quando jogaram a primeira pá de terra, algo inacreditável aconteceu: a Empatia acordou.

Ela se sentou dentro do caixão, tossindo, os olhos arregalados. "O que está acontecendo?!? Eu não morri! Eu ainda estou aqui!"

Mas o enterro era um evento de grandes proporções, com direito a transmissão ao vivo e patrocínio de uma marca de suplementos vitamínicos. O Egoísmo deu de ombros: "Bom, a verdade é que você já estava fraca fazia tempo. Melhor seguir o plano."

A Indiferença, encarregada de coordenar a cerimônia, assentiu e chamou os coveiros. Com uma força surpreendente, eles empurraram a Empatia de volta para o caixão e continuaram jogando terra. Sua voz foi ficando abafada, depois um mero sussurro, até que tudo ficou em silêncio.

Algumas poucas pessoas ali sentiram um aperto no peito, como se tivessem acabado de cometer um erro terrível, mas preferiram não pensar muito nisso.

O tempo passou e a Empatia virou lenda. Alguns diziam que ela nunca existiu, outros garantiam que sim, mas que havia sido fraca demais para sobreviver. Ainda assim, vez ou outra, em noites silenciosas, algumas almas inquietas juravam ouvir uma voz vinda do seu humilde túmulo: "Eu ainda estou aqui! Você consegue me ouvir?!?"

Eram poucos os que conseguiam - mas faziam toda diferença.

Betaldi
Enviado por Betaldi em 31/03/2025
Código do texto: T8298453
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