Tirar o gosto do desgosto

Era cedinho, por volta das 05h00. O trem, como de costume, seguia abarrotado com seus passageiros diários e fiéis. Tão logo seguia o trem, seguia também, religiosamente, no íntimo de cada um, devaneios e expectativas do dia que se pretendia longo.

Discretamente (indiscretamente, jamais!) era possível perceber olhares atentos e mexeriqueiros por todos os lados do trem. Eis que até aqueles, antes considerados desapegados do alheio, ainda que perdidos em seus pensamentos vindouros e prementes, tomavam para si um bocado de tempo e o gastavam especulando a vida do outro.

Naturalmente, querendo ou não, sempre é possível passar pela cabeça de um a curiosidade de saber o que se passa pela cabeça do outro.

Foi num desses momentos, de total nirvana matinal, em meio aos apertos e empurrões num determinado vagão qualquer, que ele perguntou a ela:

- Mas como!? Não é muito cedo pra chorar, minha senhora?

Ao redor, o silêncio que já pairava, ensurdeceu-se.

- Como é?

Redarguiu ela, com a voz ainda embargada.

- Isso mesmo. A senhora vai me desculpando, mas eu não posso com chororô. É que me dá um troço, sabe?

- Não sei.

- Pois saiba. Isso tudo é muito complicado. Bem sei que a vida é isso mesmo. Hoje chora, amanhã também, depois, não se sabe. O fato é que fico sem jeito. Chororô me dá fome.

- Fome?

- Sim! Quer amendoim? Vai, come um pouco! Torradinho e sem casca é uma belezura. Quem sabe você não troca o sal dessas lágrimas pelo sal desse tira-gosto?

- Tira-gosto? Eu queria mesmo era tirar esse desgosto!

- Pois pronto. Que o tire com amendoim.

Ela sorriu e se serviu.

Um sentimento coletivo de alívio percorreu o vagão lotado. Os que prestavam atenção naquele diálogo sorriam timidamente. Os outros, despertados pelo gargalhar da então chorona, se viram em dúvida sobre o que ocorria.

Ainda assim, dando por certo que aquele era o fim, consideraram que o tranquilizador foi o amendoim.