Jogada esbodegativa

Escrevi sobre o português falado em Portugal e o usado corriqueiramente no Brasil na crônica “Alianza Brasil-Portugal”.

Em “Ser Bota é Fogo” utilizei vocábulos e expressões pernambucanas.

Em “Manezinhos rumo à Oropa” aproveitei o linguajar manezês.

Hoje tenho a ventura de usar as palavras proferidas por um amigo, o Canela, e rechearei com outras corriqueiramente ditas no interior do Rio Grande do Sul. Para ele não tem “bucha”.

Simplesmente existe a boa colocação das pedrinhas.

Como diria Antoine Lavoisier, “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, e o fabuloso Chacrinha complementou com: “Na televisão, nada se cria, tudo se copia”. Aproveito para inserir quando eu “charlo”, ideias roubadas, ou seriam retiradas, do Aldori da Silva no “A arte de jogar dominó”.

Em algum lugar na ilha de Santa Catarina ou imediações dela, num momento qualquer, amigos acabam enfileirando pedras de dominó.

Estão ali, jogadores, atores, pescadores, mentirosos, chatos, divertidos, rabugentos e nervosos. Eu diria que estão os mais variados profissionais: bancário, militar, eletrotécnico, carpinteiro, astrônomo, engenheiro, eletricista, comerciante, representante comercial, cambista, pedreiro, contadores, dentista, radialista, técnico em edificações, professor, vendedor, quase todos aposentados.

Diz o ditado, que basta um pedaço de madeira, engradado de cerveja, tronco de árvore ou qualquer objeto que lembre uma mesa para se jogar dominó. O mais importante são as 28 pedras de marfim ou de um produto mais barato. Temos nossa arena que se realiza na quadra do Joe nas segundas e quintas-feiras, com mesas, tablado e uma regra que só a nós diz respeito: “Trovar” pouco não tem graça.

Sempre recheamos as “tertúlias” com uma boa “trova”. Assim vamos tocando a vida, sendo um pouco mais felizes nesse mundo cheio de desavenças.

Certo dia, o Canela veio com uma palavra que pelo sentido da frase entendi, mas nunca tinha ouvido aquela conotação:

- Ei, estás com a “braguete” aberta. Cuidado para não fugir a corruíra.

Pelo jeito que foi falado, dava a entender que era braguilha, ou em outras partes do Brasil, breguilha ou barguilha.

Procurei nos dicionários portugueses e não a encontrei. Confesso que apelei para tradução de outras línguas e achei no francês: significa pequena parte que cobre o membro vergonhoso do homem. Este termo deve ter sido trazido pelos filhos dos ricos de Pelotas que viajavam para aquele país para estudar.

Percebemos com o passar das horas perdidas, para uns, e ganhas para outros, que aprendemos muito com o “abagualado” Canela jogar. Quem estiver lendo e fizer parte do grupo, sabe que não é no sentido de que ele é um “buenacho” na arte de jogar dominó, quase sempre é derrotado com um “vareio”.

Compreendemos com ele o significado da palavra felicidade.

Recebemos dele cultura léxica, esquecimento dos problemas, alegria na vitória ou mesmo na derrota.

Quem toma lisa 9não faz nenhum ponto) paga um valor pequeno para contribuir com a festa de fim de ano. O Canela é o que mais leva lisa. Ficamos contentes porque ele financia grande parte da festa. A desculpa que arruma é que é o que mais joga, é o primeiro a chegar e o último a sair. Tem bastante razão, mas que é “abostado”, “taipa”, isto ele é.

Desculpem-me, a “indiada” acha isso dele, somente no dominó.

Nunca alguém o viu “borracho”, mas também, nem “amargo” ele bebe. Pelo menos na nossa frente.

Quando o Canela viaja para o torrão natal e por lá fica mais de uma semana nossa tristeza é visível. Pedimos ao “Patrão Velho” que nos devolva logo para ficarmos contentes.

Para a personagem em destaque não existe jogada “de prima”.

Tudo é bem pensado, já que costuma dizer que nunca fica “atucanado” por mais “bucha” que seja a combinação das pedras. Até fica abismado com aquele que “num upa” resolve a situação.

Ele é o primeiro a “aprochegar-se” e o derradeiro a sair da jogatina, enquanto que outros, é só levarem lisa, “deitam o cabelo”, muitas vezes esquecendo até de se despedir, “riscando a estrada”, com seus possantes.

Pensam que são carros fortes, grandes? Pode ser, mas tem aqueles que deixam poças de óleo de tanto vazamento. O termo, então seria substituído por poçante.

“Entonces”, quem de vez em quando o tira do sério é um contendor que se “fresqueia”, passando a mão em sua perna. Ele se acha macho. As más línguas falam que ele é muito macho embaixo de outro macho.

Ele tem a mania de dizer que fez a jogada número 8. Até agora ninguém, nem mesmo ele sabe qual é. Quando bate fala com jeito “faceiro”: “quarenta pontos”.

Quando faz menos de 10 pontos, comenta: nem marca. Certa vez o adversário não marcou e no final a dupla dele perdeu a partida.

Desse dia em diante, ele complementa a frase: já que insistem, marca. Se o adversário faz com que ele perca a ponta firme exclama:

- Me “esbodegou”.

E assim a vida continua um “esbodegando” o outro e sempre se encontrando para mais uma rodada de dominó, com o “xiru”, mais alegre do pedaço.

Aroldo Arão de Medeiros

03/05/2016

AROLDO A MEDEIROS
Enviado por AROLDO A MEDEIROS em 09/12/2024
Código do texto: T8215069
Classificação de conteúdo: seguro