PARADA INDIGESTA
Parada indigesta
(*) Texto de Aparecido Raimundo de Souza.
OS AMIGOS GROSELHO E BUFÔNIO se encontram todos os domingos, alternando as casas. Nestes encontros levam as esposas. Desta feita, foi a vez de Bufônio. Ele está tomando cerveja na residência de Groselho. Ambos conversam animadamente enquanto bebem e beliscam uns tira gostos feitos pela Fifi, a empregada do anfitrião. As comadres (Belinha, esposa de Groselho e Narinha consorte de Bufônio) trocam impressões no quarto do casal. Groselho, no decorrer do bate papo, percebe que seu amigo e compadre não parece estar bem. Enquanto comem e assistem ao jogo na enorme tela plana, conclui que o amigo está tendo alguma dificuldade para soltar a voz normalmente. Impaciente, a certa altura, não mais se aguentando, indaga:
— O que lhe aconteceu, compadre Bufônio? Desde que aqui chegou com a comadre Narinha atinei que não consegue se livrar deste incômodo. Acaso comeu alguma coisa diferente ai pela rua que lhe entalou no gogó? Por duas vezes seguidas você quase chegou às vias de vomitar? Quer que eu acione o Paulinho, seu afilhado? Como você sabe, ele é médico e, de repente, lhe receita um remédio que é tiro e queda. O que me diz?
— Agradeço a sua atenção, compadre. Não é nada importante. Não há necessidade de incomodar o nosso menino.
— Você é quem sabe. Mas olha só. Acho melhor se abrir comigo. Viu, de novo! Quase botou os bofes para fora. Parece que a coisa é séria. Este pigarro ou melhor, este enrosco não é normal. Quer um copo de água? Uma limonada?
— Não, Groselho, desculpe. Como disse, não é nada. Se tiver um cafezinho... sei que nada tem a ver com o que estamos fazendo, mas um cafezinho quente...
Groselho grita à Fifi, na cozinha e pede que a moça providencie o pedido do compadre. Menos de cinco minutos depois, a serviçal entra em cena com duas xícaras fumegantes numa bandeja em forma de coração. Não é de muita valia o líquido trazido. Pelo contrário, a quentura atrapalha ainda mais a situação periclitante do pobre Bufônio. Inesperadamente o ingerido lhe faz tossir mais desesperadamente. A ponto de carecer correr para o banheiro do compadre. Em contrário, sujaria o chão limpo da sala imensa. Na volta, se desculpa meio sem graça e procura se acalmar para não fazer feio de novo diante do amigo.
Groselho, todavia, insiste:
— Bufônio, decididamente há algo de estranho. Agora acabo de ter a certeza plena. Veja bem. Somos amigos e compadres há muitos anos. Vamos, cara. Se abra. O que está incomodando a sua pessoa e irritando de maneira infernal a sua garganta?
Bufônio encara o compadre bem dentro dos olhos.
— Quer mesmo saber compadre? Pois bem... eu falo. É areia. Estou com a boca, os dentes, a goela, a alma, se duvidar, cheia de areia...
— Areia, Bufônio?
Bufônio engole em seco. Seu rosto se cobre de um vermelho vivo tipo morango caído do pé. Groselho volta a bater na mesma tecla.
— Areia, Bufônio? Veio com o vento de ontem a noite? Vou perguntar de novo: você comeu algo diferente? Afinal, pare de fazer voltas por um caminho comprido a ponto de me tirar o fôlego. Seja direto. Como isto foi acontecer?
Bufônio, a contra gosto abre o jogo.
— Culpa da Narinha, sua comadre.
— Diabos, Bufônio... o que a Narinha tem a ver com isto?
— Tudo.
— Como assim, tudo? Vá direto ao ponto.
— Promete que não irá rir da minha cara?
— Claro que não. Jamais!
— Jure, Groselho. Você tem mania de levar as coisas mais sérias na brincadeira. Adora fazer piadas...
— Tá compadre. Eu juro...
— Ok.
— Agora desembucha...
— Ontem a Narinha ficou do meio dia às seis horas da tarde sentada na areia da praia, lá em frente ao prédio do nosso apartamento...
Título e texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha, Espírito Santo ES