O CORNO DO PARAÍSO

O CORNO DO PARAÍSO

Milton Lourenço – 27 Nov 2024

Do livro “Crônicas do Cotidiano”

Naquela noite fria de junho, Eva e Adão dormiam de conchinha, mas em dado momento ele acorda assustado, dá uma forte cotovelada na costela da companheira e pergunta:

— Você fechou o portão da garagem?

— Ui! Tá maluco, babaca, quer quebrar a minha costela?! – Pergunta a assustada e dolorida mulher.

— Sua não... minha costela, esqueceu? – Rebate Adão com um ar de superioridade.

— Claro que não! Entrei primeiro que você. Você ficou por último e...

— Mas a obrigação de fechar o portão da garagem é sua...

— Minha obrigação é o cacete e vamos parando com esse machismo. Olha a Maria da Penha!

Eva nunca foi pavio curto. A danada era sem pavio mesmo, ainda mais sendo acordada com uma cotovelada naquela noite fria; era muita sacanagem. “Vai ter forra!”, pensou ela.

— PUTA QUE PARIU, O CACHORRO DEVE TER FUGIDO NOVAMENTE!! – Berra Adão.

O cara gostava muito daquele pastor que quando entrava no cio aterrorizava o paraíso. Era um gato devorador de cachorras. Não livrava a cara nem das irmãs. Era um autêntico garanhão canino.

— Abaixe o tom da voz, seu boca suja! Se o Criador ouvir, você será expulso do paraíso e vai ter que morar com a sua mãe. E vai sozinho. Deus me livre eu ir junto. Ô velha insuportável! Sequer vem nos visitar.

— Spoke! Spoke! – Sai o “dono da costela da Eva” gritando feito louco.

— Vamos dormir, daqui a pouco ele volta. Esta não é a primeira vez... ele sempre voltou.

— Meu pastor pode ser atropelado, sequestrado, estuprado ou até morrer com um tiro por aí. Bala perdida virou rotina. O mundo tá muito violento. A gente vê isso toda hora na TV ou na NET. Esqueceu?

— Pare de drama, Adão! Amanhã mesmo vou te levar a um psicólogo. Acho que você está começando a ter crises de ansiedade, síndrome do pânico ou sei lá o quê. – Fala Eva, já perdendo a pouca paciência.

— Só faltava essa... agora a “doutora” virou psicóloga. – Murmura o ansioso machão.

— Deixa de deboche, seu bosta. Já passou da hora de você: largar esse celular, sair da frente da TV, respirar ar puro, dar uma caminhada, consumir alimentos saudáveis, esquecer o timinho do Vasco. Aproveite o paraíso enquanto é um paraíso. – Recomenda a inseparável companheira do dono do Spoke.

— SPOKE! SPOKE! SPOKE! – Não adiantou nada. O cara recomeça a berrar pela rua, acordando, literalmente, Deus e o mundo. Até que uma voz onipotente, onisciente, onipresente, “oni-qualquer coisa” acaba com o show do Adão, dizendo:

— PARE DE GRITAR, SEU CORNO! POR QUE NÃO PROCURA DENTRO DE CASA?

Na mesma hora o silêncio foi ensurdecedor. Adão fechou a matraca, baixou a bola e foi para casa. Eva ainda na porta, olhou “dentro da cara” do machão, fechou o punho esquerdo e com a palma da mão direita, deu umas três batidinhas e falou baixinho:

— Se fudeu, babaca. Cadê o machão? Bem feito!! – A pensada forra pela cotovelada veio a galope.

E sem duvidar das estridentes palavras que ouviram (afinal, o Cara sabia de tudo), os dois foram até a parte de trás da casa e para a surpresa de ninguém, o machão... o garanhão canino... o verdadeiro gatão de tão bonito... e com certeza, o “culpado” de todo aquele caos, estava dormindo como um anjinho.

— Também ninguém lembrou de procurar aqui. Sou um simples mortal, né? – Tenta se justificar o ansioso e envergonhado morador do paraíso.

— Precisava dessa palhaçada toda? Como vou olhar na cara da vizinhança? Que papelão! De amanhã não passa: Você vai fazer terapia sim. Queira ou não! – Decreta Eva, sentindo-se a dona da situação. Mas, embora parecesse que o cara tinha aprendido; machão raiz perde a batalha, mas não a guerra e, sem medo da Maria da Penha, parte para o ataque (o cara parecia o Romário no auge) dizendo:

— Tudo bem, amanhã vou ver o psicólogo do CAPS; agora, sem mimimi, exijo uma boa explicação:

QUE PAPO É ESSE QUE EU SOU CORNO?!