AS ETAPAS DO ESCRITOR AMADOR
Baseadas em minha experiência pessoal.
1. Crê piamente que escrever é "expressão dos sentimentos":
A primeira fase é marcada por uma fé inabalável de que escrever é apenas a "expressão dos sentimentos" – e o que isso significa de forma concreta, só Deus sabe. Nessa etapa, o escritor joga tudo o que vem à mente no papel, sem critério algum, acreditando que o sentimentalismo (geralmente um lamento por uma paixão platônica não correspondida ou a síndrome de corno) será suficiente para revelar toda sua genialidade. É sempre um grande texto para quem deseja se afogar em um mar de melodramas intransponíveis, imersos em um chororô de autoindulgência e uma chuva torrencial de clichês românticos que beiram o insuportável, além, é claro, das iluminações filosóficas que consistem em constatar o óbvio.
2. A descoberta da edição e do dicionário:
Aos poucos, começa-se a entender, ainda que vagamente, a necessidade de editar o texto. O escritor corta palavras repetidas e, como por uma iluminação súbita, descobre o dicionário. A partir daí, passa a buscar sinônimos imprecisos que alteram o sentido do texto, geralmente os mais distantes do uso cotidiano, com uma preferência monumental pelos que produzem cacofonias, porque, afinal, um escritor precisa usar palavras sofisticadas (mesmo que o motivo disso seja nebuloso, mas é o que repetem, como eco).
3. O surto do rebuscamento:
Agora, o simples ato de escrever já não é suficiente. A busca pela sofisticação das palavras atinge seu auge, com o surgimento de termos pomposos e inadequados, que são paralelepípedos no meio do texto. Essas palavras, encontradas no dicionário, parecem iluminar a escrita com o peso da sabedoria motor transcendental, mesmo que seu significado não faça o menor sentido no contexto lógico e no tom previamente estabelecido, tornando o fluxo do texto truncado e desventurado.
4. A Imitação Servil:
Nesta fase, o escritor começa a imitar com fervor os textos que fizeram sucesso instantâneo, na esperança de encontrar a fórmula mágica para o próximo best-seller. É também quando, mais ou menos por acaso, descobre a milagrosa "Jornada do Herói", a estrutura dos três atos e, finalmente, as palavras-chave do ofício: "conflito" (que ainda é entendido como 'dedo no cu e gritaria') e, claro, o estrangeirismo obrigatório, pronunciado com um biquinho para torná-lo mais chique – como, por exemplo, o famoso "plot twist". Quem nunca fez pastiche de Manoel de Barros, Leminski e Bukowski na internet que atire a primeira pedra.
5. A Síndrome de Woody Allen:
Aqui, o autor compõe narrativas com inúmeros personagens que são versões de si mesmo, falam como ele, sofrem dos mesmíssimos problemas, mas têm outros nomes (muitas das vezes, ingleses). Jura-se não se tratar de alter ego, mas, no fundo, quase sempre é uma história sobre um escritor escrevendo. Quem nunca escreveu um conto sobre um escritor tendo bloqueio criativo e não conseguindo escrever (enquanto, ironicamente, escrevia) que atire a segunda pedra.
6. A Crise do Gênio Incompreendido:
Este é o momento de revolta contra a incapacidade dos leigos de compreender a genialidade inata do autor. A culpa é do sistema, do QI baixo do brasileiro médio, da falta de leitura, da ausência de incentivo à literatura nacional, do descaso com o autor local, do alfabeto latino, do sistema alfa-numérico, dos algorismos romanos, dos imperialistas, da NASA, da queda do Ocidente… qualquer coisa, menos a ideia de que, talvez, os textos estejam com um ritmo maçante. O escritor, nesse ponto, se vê como um visionário incompreendido, cujas obras proféticas serão exaltadas apenas após sua morte, como todo grande gênio da história.
7. A Visão Mais Amadurecida:
A partir daí, a tendência é começar a assentar-se uma visão mais amadurecida sobre o meio literário. Já terá passado tempo suficiente para compreender os mecanismos que regem o universo da escrita e suas interações, criando uma rede de apoio – o famigerado network (com biquinho). O escritor começa a enxergar suas próprias deficiências e, com isso, a necessidade de buscar uma orientação mais substancial. Ele entende que o aprimoramento da escrita não ocorre apenas por meio da repetição ou imitação, mas pela constante busca de aprendizado, abertura para críticas e o desenvolvimento de uma voz própria, que será refinada ao longo do tempo.