Família Dimas no Pai Eterno
A família Dimas, sedenta por nova viagem, resolveu percorrer um caminho bem maior. Previram dezenove horas de viagem para percorrer 1.600 quilômetros. Só para ir. Imaginem quão demorado foi o passeio, pois eles não têm pressa quando resolvem se divertir. O que foram fazer naquela lonjura? Visitar o Santuário do Pai Eterno.
A tchurma: João, o patriarca; os filhos Aparecida, Bráulio, Leza e a sobrinha Rosinha. Rosinha era a primeira vez que se aventurava com a gangue. Levaram lanche, dinheiro, máquina fotográfica e imensa vontade de se divertir. Deixaram em casa a tristeza, preocupações e a chatice dos afazeres domésticos. No caminho de ida só queriam tirar fotos da natureza.
Retratos de nuvens com formas excêntricas, que os desafiavam a dizer com que se pareciam. Todos se esforçavam a identificar um objeto, um algarismo ou um animal.
Aparecida identificou um avião e um disco voador.
Provavelmente ela se recordou do marido que, certa vez, imaginou ter visto tripulantes de OVNI, mas nada mais eram que pescadores com uma pomboca que, balançando o corpo no breu da noite, formavam figuras estranhas em sua mente medrosa. João, já nos seus noventa anos, viu uma bengala no céu. Leza é casada com um cara que trabalha com peixes e, coincidência ou não, viu um golfinho que saltitava no firmamento. Bráulio, que sempre lidou com números, viu o algarismo quatro, quando para os outros poderia ser qualquer coisa, menos o que ele afirmava. Rosinha, que tem como hobby a pintura da natureza, identificou uma montanha, com o que todos concordaram. Provavelmente para deixá-la bem à vontade no passeio. Rosinha pegou a digital (como denomina Aparecida) e fotografou árvores coloridas, especialmente ipês amarelos e roxos. Sempre se maravilhando com tudo, captou imagens também do pôr do sol. Para eles, tudo o que viam era motivo de conversa animada e discussões sadias que conduziam a gostosas risadas.
Enxergaram ao longe uma poeira de grande intensidade. E os palpites sobre o que era variavam, até que Aparecida sugeriu que seriam lavas de um vulcão. O riso foi geral. Quando conseguiram se aproximar um pouco da poeira, constataram ser uma máquina agrícola arando a terra.
Na entrada da cidade de Trindade, em Goiás, viram a imagem em tamanho natural de São Cottolengo. Acharam estranhíssimo o nome.
Pesquisaram na internet e descobriram, resumidamente, que Giuseppe Benedetto Cottolengo era o mais velho de 12 irmãos. Por causa da Revolução Francesa, viu-se obrigado a completar seus estudos sacerdotais de maneira clandestina, e ficou conhecido por ser o único sacerdote que celebrava missa às três horas da manhã para que os campesinos pudessem assistir antes de ir trabalhar. Dizia-lhes: “a colheita será melhor com a benção de Deus”.
Bráulio, o mais bagunceiro, tirou uma foto no exato momento em que uma mulher subia em uma vaca defronte à igreja.
Como a foto era um pouco distante e a tal senhora tinha o mesmo porte físico da Cida, passou a dizer que era ela. O dono da vaca deveria estar ali todo final de semana, pois havia até um banquinho ao lado do animal para as pessoas subirem e tirarem fotos, mediante pagamento. Acreditaram desacreditando. Exceção feita ao João, que ainda acredita em Papai Noel, duendes e fidelidade. No Santuário Basílica do Divino Pai Eterno se extasiaram com vitrais representando o Pai Eterno ajudando um garimpeiro, abençoando os romeiros, socorrendo um acidentado, abençoando um enfermo, socorrendo um náufrago, ajudando os que sofrem com vendavais e ciclones, salvando uma criança do iminente perigo de morrer queimada.
As telas foram doadas por moradores da cidade.
Bráulio anotou alguns dos nomes: Dária e Zezé; Lourival Souza e Nadir; Alessandro e Vanessa; Maria Abadia M. Silva; Gabriela Floripes e Rogério A. de Carvalho; Adel Feres e família. Uma das telas chamou atenção, fora doada por Leandro e Leonardo, dupla sertaneja famosa, naturais de Goianápolis, em Goiás. Durante a missa, enquanto os outros foram tomar a comunhão, Bráulio cuidou dos objetos adquiridos. Nesse ínterim, aconteceu a benção dos artigos comprados pelos romeiros e Bráulio fez malabarismos para erguê-los e serem bentos. A cena foi surrealista, para não falar coisa pior.
Bráulio, sempre ele, querendo aparecer mais que todos, foi com um chapéu que disse ser de boiadeiro. Mas até hoje ele não sabe se o nome correto é esse, ou country, ou cowboy.
A viagem de volta foi repleta de acontecimentos inusitados. Os assuntos variavam, até que alguém resolveu falar uma palavra em inglês. Leza não entendeu e pediu explicações. Aí começou a aula particular de inglês: nomes de cores, números, objetos. Só palavras, porque ninguém conseguia formar uma frase sequer. Rosinha comentou: “nosso passeio também é cultura”.
Em uma parada, estacionaram o carro em frente ao Restaurante e Lanchonete Benedita. Para pegar a comanda, apertava-se um botão na porta de entrada. Todos assim o fizeram.
Todos foram ao banheiro. Mas só quem lanchou foi Rosinha. Quando foi sair, Bráulio percebeu que estava sem o cartão de saída. Procurou nos bolsos e nada. Foi ao banheiro, em vão. Foi até a porta de entrada, esticou o braço e retirou outra comanda. Feliz pela operação, foi saindo tranquilamente quando a sirene de alarme disparou. A moça do caixa perguntou se ele não tinha uma comanda no bolso. Nervoso, esvaziou os bolsos e, graças ao Divino Pai Eterno, um funcionário berrou que a máquina estava dando problema, disparando sem razão. Somente muito tempo depois perceberam, sob o celular, a comanda eletrônica levada de modo indevido. Até hoje ela está na casa do João, esperando embarcar com o grupo para voltar a seu domicílio.
Rosinha desfilou no retorno todo o conhecimento sobre cantores, socialites, músicas, novelas, comediantes, comunicadores, pintores, atores, seriados, jogadores de futebol e padres. Sabia, sem pesquisar no Google, quem cantava qual música, com quem a famosa estava “ficando”, qual seria o final da novela e muito mais que não lhe foi perguntado. Em mais uma parada, para lanchar e ir ao banheiro, aconteceu o que foi muito engraçado para alguns, mas que para a Cida não teve graça alguma. As três mulheres entraram no banheiro. Rosinha foi lavar o rosto e as outras entraram nos boxes para esvaziarem a bexiga. Leza, por baixo, surrupiou a bolsa da Cida que estava no compartimento ao lado. Quando saiu, deu pela falta da bolsa. Perguntou para Rosinha. Essa afirmou que não viu e que Leza saíra somente com a bolsa dela no braço. Cida saiu em disparada a procura da bolsa, mas Leza também teve que correr, com medo que a irmã tivesse um ataque de coração.
O mais engraçado aconteceu na cidade em que pararam para pernoitar na volta. João e Leza saíram para encontrar um hotel, pois o primeiro que tentaram estava lotado. Bráulio pediu a um transeunte informação sobre hospedagens próximo dali. A pessoa indicou uma pousada. Ele e Rosinha foram ver se resolviam o transtorno antes dos outros dois. Pararam na esquina e fizeram meia volta. Rosinha começou a rir, já que para isso não paga imposto.
Quando se aproximavam da Cida, essa ria e soltava puns altos.
Rosinha não se aguentou e fez xixi na calcinha. Andava com a mão na frente da calça para esconder a mancha. Proibiu de soltarem piadas até chegarem em casa, o que, com certeza, não foi cumprido. Escolheram outros lugares para a próxima viagem e tudo se repetirá, talvez com mais palhaçadas do que nesta.
Aroldo Arão de Medeiros
30/07/2016