Dragão e Dragonete

Jorge Ramus quando jovem era um galanteador, boa pinta, bom papo, vivendo a vida num ritmo frenético e muito à frente de sua geração. Um de seus dons era o da pintura, a particularidade era misturar traços psicodélicos a traços abstratos. Essa aglutinação ele usava na decoração dos clubes na época de carnaval. Lá ia Jorge com uma profusão de pincéis, latas de tinta, papéis, cordões, balões, dando vida aos recintos, antes lúgubres. Com todo esse aparato e a importância para o lugarejo ele aproveitava para passar a lábia nas moçoilas ingênuas que, para ele, quanto mais belas e mais difíceis melhor para sua lista de conquistas.

Hoje beirando os quarenta não perdeu o pique, mas só engana coroas, quase sempre separadas.

Uma das derradeiras conquistas foi uma balzaquiana descendente de italianos, longe de ter sido agraciada com os necessários dotes de beleza. Trocando em miúdos: feia pra burro, e ele sintomaticamente a apelidou de Dragão. Para não dar mancada no momento do idílio amoroso a chama de Galega.

Conheceu-a na loja de conservas que ela herdou do primeiro marido. Este era caminhoneiro e em suas andanças pelo país infiltrava-se nos terrenos com plantações de palmitos e surrupiava uma grande quantidade. Embalava e vendia. Com o tempo passou a colocar outros condimentos à venda e a mulher tocava o negócio que prosperou rapidamente. Jorge, já no primeiro encontro não perdeu tempo e a Dragão parece que não via homem há muito, estava numa secura danada, pois logo concordou em esperá-lo à noite em casa. No horário combinado ele deixou o carro estacionado distante, ligou do celular e ela, toda feliz, esperou-o na porta. Atravessaram a sala e, para surpresa do amante havia um garoto sentado em frente à televisão jogando vídeo game. Jorge atravessou a sala pé ante pé até respirar tranquilo no quarto. A Dragão, antes se deitar ainda disse:

- Não te preocupes com o meu caçula. O outro, que está no quarto dele com a namorada, é o ciumento e brigão.

Jorge quase desistiu, mas não poderia afrouxar. Dragão apagou a luz do quarto e partiu para cima dele, fogosa. Depois do embate amoroso Jorge sentou-se na cama e, ainda no escuro, Dragão contou como era o marido atual.

- É um policial que, no momento, está de plantão, não é ciumento, porém é agressivo e, como o filho, violento.

Foi a deixa que faltava, Jorge botou a calça, abriu a janela e pulou. Ao caminhar sentiu que a roupa lhe parecia estranha, olhou para baixo e só então viu que, na pressa, colocou a calça da Dragão.

Voltou, bateu à janela e ela mais que depressa apagou a lâmpada que estava acesa e abriu a janela, pronta para mais um idílio amoroso. Jorge trocou a roupa e, na claridade, concluiu porque ela ficava no escuro: aquele corpo não merecia ser exposto de tão feio. Saiu com o coração na mão e prometeu para si mesmo nunca mais andar com ela. Não aguentou a promessa e uma semana depois estava lá novamente saindo com a Dragão.

Esse sair significou literalmente procurar outros lugares distantes daquele onde estava tão exposto ao perigo. Passou a frequentar motel e, certo dia cansado da mesmice, levou-a numas quebradas que ainda hoje lhe trazem recordações engraçadas. O lugar escolhido foi uma plantação de cana de açúcar que ele deixou com a impressão de ter passado um ciclone, pois na ânsia de achar um lugar escondido foi derrubando o canavial com o carro.

Decidiu dar um tempo nesse romance e, num determinado dia, ao entrar em uma loja de produtos agrícolas reparou que uma mulher o olhava intensamente. O dono da loja atendeu-o e perguntou se ele poderia medir seu terreno. Jorge tirou a camisa e foram para as terras do comerciante que, depois do serviço, agradeceu-o e o elogiou bastante. Uma semana depois voltou à loja para comprar ração para as galinhas e lá estava de novo aquela mulher. Dessa vez ela se aproximou, iniciou uma conversa e elogiou seu corpo, pois tinha visto ele sem camisa. Jorge não perdeu tempo e marcaram encontro para o outro dia.

Essa nova conquista também não podia ser chamada de beleza.

Era, entretanto, um pouco mais apresentável. Ele, ao narrar as aventuras, faz questão de denominá-la como Dragonete. A justificativa é de que ambas são da mesma cidade, são assanhadas e são feias. Dragonete também é separada e também tem um namorado. Esse rival luta kung-fu, o que assusta bastante o Jorge.

Ele sempre a leva para longe e, vez por outra, até passeia com ela.

Assim como o seu homônimo, Jorge da Capadócia, ou São Jorge, que foi um verdadeiro guerreiro e venceu terríveis batalhas, por isso sua imagem mais conhecida ele está montado num cavalo branco, dominando um grande dragão, Jorge Ramus tem derrubado alguns dragões em suas conquistas.

Aroldo Arão de Medeiros

04/06/2006

AROLDO A MEDEIROS
Enviado por AROLDO A MEDEIROS em 15/10/2024
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