O Vizinho Barulhento: Uma Guerra Silenciosa

Eu mal tinha colocado a cabeça no travesseiro quando começou. Era uma música estrondosa, tipo aquela que parece que o cantor está berrando no seu ouvido. Olhei o relógio: duas da manhã. "Não, de novo, não!", pensei, com o travesseiro apertado contra as orelhas.

 

Levantei, esfregando os olhos, e fui até a janela. A música vinha de cima, apartamento 502. O famoso “DJ das Madrugadas”. Já era a terceira noite seguida que o vizinho resolvia fazer uma festa para ninguém, porque, sério, quem estaria lá com ele àquela hora? Liguei para a portaria, com a voz misturando raiva e cansaço:

 

— Seu João, é o vizinho do 502. Outra vez, hein?

 

— Ah, seu Carlos, ele disse que já vai baixar o som... — respondeu o porteiro, sem um pingo de convicção.

 

Voltei para a cama, tentando me convencer de que seria diferente desta vez. Três minutos depois, lá estava o som de novo, ainda mais alto, se possível. Agora, não era só a música; dava para ouvir risadas, copos batendo e alguém gritando “Essa é a melhor noite da minha vidaaaa!”.

 

Levantei com a decisão firme de resolver aquilo. Peguei uma vassoura e comecei a bater no teto como quem toca tambor numa escola de samba. As risadas continuavam. Pior: o DJ aumentou o volume, como se aquilo fosse um desafio.

 

Voltei ao sofá, com a cara de derrota estampada. Olhei em volta: o ventilador zumbia baixinho, as sombras da luz da rua dançavam nas paredes. Eu estava pronto para mais uma tentativa desesperada quando ouvi um barulho familiar: a risada estridente de Dona Marta, do 402. Logo, ela começou a bater no teto também, mas com uma vassoura de madeira, fazendo um “toc-toc-toc” mais pesado que o meu.

 

Decidi me juntar a ela, cada um tocando seu "instrumento" como num concerto maluco. Juro que, por um momento, achei que o prédio todo ia desabar.

 

De repente, a música parou. Silêncio absoluto. Esperei, vassoura em riste, e então ouvi passos pesados descendo a escada. Era o DJ. Fiquei na janela espiando. Ele parou na portaria e começou a discutir com seu João:

 

— Quem são esses malucos batendo no teto? Estava só curtindo um som tranquilo, e esses doidos estragaram tudo!

 

Tive que me segurar para não rir alto. Voltei para dentro e, como num pacto silencioso, eu e Dona Marta paramos de bater. O DJ subiu, resmungando, e a paz reinou, pelo menos por cinco minutos.

 

Deitei-me de novo, quase acreditando que ia conseguir dormir, quando começou uma nova batucada. Só que dessa vez, no meu teto. Olhei para cima, com um misto de pavor e incredulidade. Era o DJ, com um cabo de vassoura, dando a resposta.

 

Eu não sabia se ria ou chorava. Olhei para o teto, para a vassoura, e tive uma ideia. Peguei o celular, liguei a música mais brega que conhecia — “É o amor”, do Zezé Di Camargo e Luciano — e deixei no volume máximo, encostada no teto.

 

Na hora, o DJ parou. Eu sorri, me encolhendo no sofá com a sensação de vitória. Consegui ouvir a voz dele, abafada, pelo teto:

 

— Não acredito... brega não... brega, não...

 

E assim, de um jeito absurdo, venci a batalha. Pelo menos até a próxima madrugada. Porque, afinal, nessa guerra silenciosa entre vizinhos, todo mundo perde o sono, mas ganha boas histórias para contar.

Graciliano Tolentino
Enviado por Graciliano Tolentino em 25/09/2024
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