Conversando com o inanimado
Inanimado, segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, o tio da Banda, significa sem ânimo; morto ou que não tem vivacidade, animação. Procuraremos nos ater a objetos e animais, mesmo sabendo que este último é um ser animado.
Roberto Soares de Oliveira um sujeito simples como o seu próprio nome, tinha todos os parafusos na cabeça bem apertados, ou seja, não era maluco. Pelo menos as pessoas que não tinham um contato mais próximo com ele, achavam-no um cara normal. Eu, porém, tenho lá as minhas ressalvas, pois vi o sujeito fazer coisas pra lá de estranhas.
Sua esposa tem num canto da sala um João-Bobo. Todos que passam pelo boneco de plástico dão-lhe um tapa na cabeça para vê-lo balançar. Roberto vem atrás, e com o semblante demonstrando pena segura o cai-cai, acaricia-o e pede desculpas.
Até aí tudo bem, só que tem mais. Na duplicação da autoestrada os bonecos de madeira que substituem os homens na sinalização de perigo, têm em sua mão uma bandeirola de pano encarnado, roto, a balançar ao vento. Roberto quando encontra, acena para esses bonecos com a maior naturalidade.
Quem não escapa de seus afagos e bate-papos é seu cachorrinho de estimação. Até parece que o cão entende o que ele fala, pois Roberto perde bastante tempo na conversa com o animal contando-lhe suas tristezas e alegrias. Não há um dia que ele não saia sem antes se despedir do Omelete, nome dado por pintar o coitado de amarelo. Ele, a todos que encontra distribui sorrisos, mas é um sorriso apavorante. Sua esposa, porém, apaixonada, vê nele, um sorriso conquistador. Pobre dela, deve ter falta de vista e não procura médico. Eu, um pouco mais complacente, vejo-o com um sorriso grego. É um sorriso enigmático, que às vezes me apavora e em outras vezes sinto carinho e pena dele.
Se indagado porque ele fala com os objetos imóveis, ele diz que por mais estático que seja o ser, esse precisa de carinho, compreensão e amor.
Ele de vez em quando mira-se no espelho e conversa, discute, ri com a maior naturalidade.
Só tem uma coisa que nós dois fazemos igual. Toda vez que começa ou termina o jornal televisivo, respondemos simpaticamente:
Boa noite!
Se não fosse casado, provavelmente Roberto teria em sua cama uma boneca inflável, para poder conversar com o objeto imóvel.
Sai de mim, coisa do outro mundo.
Aroldo Arão de Medeiros
21/04/2006