Comichão ou coçadinha

Essa estória eu ouvi num boteco enquanto sorvia uma cachaça.

Não era de marca boa como a Raizes Brasilis e sim uma daquelas fortes do interior paulista, que desce queimando tudo por dentro.

O apelido do infeliz que me narrou esse causo era Boca Rica.

Homem troncudo, peito largo, bíceps descomunais: no braço direito ostentava a tatuagem de uma foice. No momento que escancarou um sorriso, escancarou também o motivo do apelido: dois dentes de ouro brilhavam mais que o sol de janeiro.

E a risada tonitruante fazia tremer o assoalho. Dava medo até de olhar para ele. Mas apesar de todo meu temor, consegui bater um papo agradável com o Boca, essa figuraça, hoje calmo, quase avô, ostenta no currículo muita paulada que levou da polícia e alguns anos de cadeia.

A história que ele contou:

Estava de olho em uma casa enorme e bonita num bairro aconchegante da cidade. Espreitava todos os dias o casal sair num conversível último tipo. Até que, certo dia, resolveu seguir os dois em seu velho Corcel, porque percebeu que tomaram um rumo muito diferente da rotina de todos os dias. Seguiu-os até o aeroporto e lá viu quando o marido despediu-se da esposa para viajar. Certamente a trabalho, concluiu, porque ele trajava um terno impecável.

Bolou então o assalto que esperava render muitas joia e algum dinheiro. Oxalá fossem as tão sonhadas verdinhas. Entrou sem dificuldade no terreno da mansão. Afinal, era larápio condecorado.

Eram duas horas da madrugada quando invadiu a casa e rendeu a mulher com um trezoitão. A mulher estava na cozinha bebendo água. Ao perceber a presença do gatuno, deu um berro de acordar o quarteirão.

Para surpresa do Boca Rica, um sujeito vestido unicamente de cuecas surgiu lá de dentro. E empalideceu ao ver a pistola na mão do bandido. Boca logo percebeu que aquele só podia ser o amante da dita cuja. Mandou o medroso sentar e a mulher ficar calada, senão iria levar chumbo. Depois decretou que a safada lhe trouxesse o dinheiro e as joias. Ela foi para o quarto, e rapidinho voltou com a mixaria de dois pares de brincos, dois anéis e cinco mil reais. Boca queria dólares, queria as verdinhas. A mulher tremia dentro do pijaminha curto.

Boca insistiu que queria mais joias, queria dólares. E balançou o revólver na direção dela. De repente, ela levantou a perna direita e esfregou a genitália na quina da mesa. O Boca e o amante ficaram boquiabertos, estupefatos. Chegaram a baixar a cabeça, envergonhados.

- Gente, - contou o Boca - mesmo com toda a minha experiência de assaltante nunca vi nada igual. Fiquei tão desenxabido que fui embora só com aquela mixaria.

E completou:

- Não sei se foi nervosismo, se ela estava com comichão, ou se só queria dar uma coçadinha.

Aroldo Arão de Medeiros

10/06/2008

AROLDO A MEDEIROS
Enviado por AROLDO A MEDEIROS em 11/09/2024
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