A morte do velho humor

Enquanto eu esperava no consultório médico para uma consulta de rotina, um amigo de infância compartilhou um vídeo de um humorista dos anos 80. Confesso que fiquei muito curiosa. Já que estava com tempo, comecei a assisti-lo ali mesmo pra lembrar um pouco da minha juventude (com fones, é claro). Mas enquanto eu assistia, algo interessante aconteceu.

Em vez de achar engraçado, fui ficando aborrecida, deprimida. As piadas ali contadas eram um show de preconceito, desrespeito, machismo, etarismo… a lista era extensa.

Isso me fez perceber que o humor da minha época morreu (graças a Deus), sepultado sob olhares de “já vai tarde” e reprimendas de todo tipo. Totalmente compreensivo, pois era uma época em que se ria de qualquer um e de qualquer coisa. Beleza, feiura, trejeitos, vícios, nada escapava. Tudo era campo vasto para o deboche e a zoação.

Brincava-se com as características físicas das pessoas, elogiando ou desdenhando. Falava-se da mulher e seus atributos (ou da falta deles), do idoso, da cor da pele (nem preciso dizer qual era), da orientação sexual (que não era a padrão) e da religião (sem comentários).

Tudo podia render boas risadas, sem correr-se o risco de ser processado, censurado, bloqueado, preso ou sofrer um atentado. Os times de futebol eram esculachados sem dó, sem falar nas nossas origens ou condição social. Como boa mineira e baixa renda, falo com propriedade. E o pior, todo mundo ria, ria muito (inclusive as minorias ofendidas), e era normal. Fazer piada com o outro era permitido e aplaudido.

Mas hoje, se você é um humorista das antigas, provavelmente passa horas, quiçá dias, pensando e repensando uma piada, consultando as leis, substituindo termos, ensaiando maneiras de contá-la pra ver se não está ofendendo alguém.

Mas seria possível fazer piada sem ofender os outros?

A mímica seria uma boa alternativa, mas levaria horas até concluir uma piada e alguém poderia se ofender caso houvesse duplo sentido ou gestos inapropriados.

Quem sabe usar expressões faciais, mas considerando que alguém pudesse interpretar uma piscadela como um assédio, melhor não usar.

E se contar a metade da piada e deixar a conclusão para o público? Tipo: Uma senhora subiu no ônibus, mas quando tentou passar na roleta...

Aí cada um que lute para montar um final. Desde que não ofenda a pobre senhora, é claro.

Provavelmente estaria rifando o riso? Sim, porque nem todo mundo segue o mesmo raciocínio, e um público considerável ficaria com aquela expressão de “hã!?”

Mas pelo menos o humorista não seria o culpado pela maldade alheia.

Eh! Certamente a forma de fazer humor evoluiu. Os humoristas estão aprendendo na marra a se reinventarem. Enfim, o lado bom de tudo isso é que nós, o público, ganhamos sempre.