Carta ao Presidente

Ana é uma senhora octogenária. Está muito doente, com problemas de pulmão, pelo menos é o que eu entendo, pois ela tem que usar oxigênio direto. Sempre foi uma mulher magra e agora pouco se alimenta e, portanto, está magérrima. Como dizem, é só carne e osso. Na cabecinha de Dona Ana passam muitas coisas, não só a preocupação com a saúde. Tudo o que vem em sua mente são números. Esses números se referem à aposentadoria, preço do quilo do arroz, salário mínimo, conta da quitanda, e tudo o mais que diga respeito ao antigo vil metal, que hoje é de papel e se chama real.

Dona Ana teve uma ideia, utópica para todos, porém, feliz e realizável para ela. Chamou seu irmão Pascoal e lhe expôs:

- Pascoal, como sabes, o Leôncio (esposo dela) foi vereador lá pelos idos de sessenta. Não sei se sabes, mas ele não recebia nada para trabalhar. Quero colocar no papel uma carta para o Presidente e tu que és o mais letrado da família poderias me ajudar.

Pascoal, estupefato, não acreditando no que ouvira, fez uma pergunta, mesmo já sabendo a resposta:

- Para que Presidente deve ser encaminhada essa carta?

- Pascoal, estás te fazendo de desentendido? É o nosso presidente da República.

Pascoal pediu licença, pois ia pegar caneta e papel. Foi na cozinha, tomou um copo d’água, respirou fundo, voltou ao quarto com uma caneta e duas folhas de papel. Cheios de cordialidades, saíram as palavras para a tal carta, que ficou nesses termos:

Portão, 10 de dezembro de 2004.

Prezado Presidente

Sou uma mulher muito pobre e estou muito doente. Meu falecido marido foi colono durante toda a sua vida e deixou uma pensão que para mim é muito pouca. Estou atravessando uma fase muito difícil na minha vida. Tenho oitenta e três anos, vivo à base de oxigênio, e os remédios estão muito caros.

Meu marido foi vereador na década de sessenta. Como você deve saber, naquela época os pequenos políticos não eram remunerados. Sei que tramita no governo um projeto de lei para ressarcir esses vereadores. Como não tenho muito tempo de vida, peço que o senhor adiante uma adjutória para minimizar as minhas despesas.

Despeço-me cheia de esperança de que na próxima retirada da minha pensão, lá esteja depositado um dinheirinho a mais.

Saúde para você e para toda a sua família.

Ana

Pascoal foi embora, deixou a carta com o filho de Ana para que ele enrolasse a velha, fizesse que mandaria a mesma e pronto.

Quinze dias depois foi lhe fazer uma visita e escutou da Ana:

- Pascoal, o marido da minha neta, o Antônio Carlos, é advogado, pegou aquela carta, deu umas pinceladas com palavras mais bonitas e difíceis e mandou para o endereço que está no envelope ali em cima do criado mudo.

Pascoal deu uma espiada no envelope e viu que era de campanha política atual, sem endereço nenhum. Também o simpático advogado a enrolou.

Ana continuou:

- Hoje faz oito dias que foi mandada a carta e nada de resposta. O que achas?

Pascoal com a cara mais deslavada proclamou:

- Pode esperar que vais receber e não vai demorar muito.

Depois do café da tarde pegou seu carro e foi embora rindo a viagem inteira.

Aroldo Arão de Medeiros

17/02/2008

AROLDO A MEDEIROS
Enviado por AROLDO A MEDEIROS em 27/08/2024
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