“Do quarteirão de lá”
Onde o feijão tropeiro encontra confissões quentes e o refresco serve de desculpa pra esquentar a prosa...
Era um domingo de sol desabusado, desses que acordam a gente sem nem pedir licença pela fresta da janela. O dia mal tinha clareado quando o telemóvel apitou: mensagem da vizinha > amiga antiga, dessas de dividir café e conselho pelo muro.
“Fulana, chega cá pro almoço. Vai ter feijão tropeiro e história na beirada do fogão. Lá pro meio-dia, quando o sol estiver rachando os azulejos.”
Li e respondi no costume: “Tá combinado.” O telemóvel até deslizou do descanso, como quem já sabia que era dia de sair da rotina e vestir alma pra festa.
Fui cuidar da casa com aquele capricho de quem espera visita, mesmo indo visitar. Pus ração pro meu gato preto, que vira e mexe enrosca nos meus pés como quem diz “vai, mas volta logo”. E fui tomar meu banho daqueles > como se diz aqui > banho pra casar. Com direito a sabão cheiroso e pensamento longe.
Coloquei uma roupa leve, dessas que escutam o vento, e saí perambulando pelo bairro. Os passarinhos conversavam nos fios, os cachorros esticavam preguiça nas calçadas. Cheguei na casa da vizinha e já fui recebida com um copo de refresco de caju, gelado e doce, como quem serve saudade antes da comida.
Na roda da conversa, o assunto se espalhava, pulando de um quintal pra outro: lembrança de infância, reza de vó, dor escondida que vira riso. A panela fumegava como um coração aquecido. E o tempo, esse danado, corria manso, como se esperasse a gente terminar o prato pra seguir viagem.
E ali, entre colheradas e causos, percebi: não era o feijão, nem o refresco, nem o calor do meio-dia que faziam aquele momento especial. Era a gente. Era a partilha. Era o simples bem vivido, o encontro sem pressa, o afeto sem enfeite.
Moral da história?
Às vezes, o que sustenta a vida não é o pão, nem o prato, mas o convite. O “chega cá” vindo de quem nos quer bem.
E que bom quando a vida convida. Melhor ainda quando a gente aceita.
“E tu, me conta: qual foi o caos ou encanto do teu último almoço de domingo? Chega mais, puxa uma cadeira e prosiei comigo...”
Prosa poética com alma de crônica traços líricos
Isso é tudo....