A FILOSOFIA DAS RODOVIAS

Era uma viagem curta, dessas que a gente faz quase no piloto automático, mas meu olhar sempre curioso insistia em ver além da paisagem. O céu nublado parecia querer chover lembranças, e a estrada, serpenteando entre curvas e retas, me convidava a uma reflexão inevitável: a vida é uma rodovia.

Enquanto dirigia, comecei a observar os motoristas ao meu redor. Uns seguiam devagar, até demais, como se tivessem medo de chegar. Outros passavam por mim em alta velocidade, como se disputassem uma corrida invisível com o tempo. Eu mantinha meu ritmo constante, nem lento, nem rápido — apenas atento. A filosofia me ensinou a buscar equilíbrio até mesmo no ato de dirigir.

As placas, os pardais, os quebra-molas... todos ali, como avisos da vida. Sinais que nos pedem cuidado, limites que evitam tragédias, lembretes de que correr demais tem seu preço. Vi também as árvores tombadas pelas chuvas, como aqueles que não suportam as tempestades da existência. E à beira da estrada, uma barraca cheia de frutas e quitandas, gente simples vendendo o que tem — um retrato da vida que se sustenta no pouco, mas com dignidade.

Alguns motoristas paravam para colher frutas silvestres ou descansar sob a sombra de árvores frondosas. Pareciam lembrar que a vida não é só destino, mas também pausas. Outros, porém, eram inconstantes: ora voavam, ora se arrastavam, como quem não sabe ao certo que caminho seguir.

Notei ainda os impacientes, que colavam na traseira e piscavam faróis como se dissessem: "Saia da frente, ande mais rápido!". Mas nessas horas, lembro da ética, da moral, da prudência — esses pequenos faróis internos que a filosofia acende em mim. Afinal, quem disse que acelerar é sempre sinônimo de progresso?

De repente, o aviso no aplicativo de trânsito: “Acidente adiante”. O carro que há pouco me ultrapassara com arrogância agora estava capotado numa ribanceira. Imprudência, excesso de velocidade. Talvez não chegue em casa. Logo atrás de mim, surge um velho Gol vermelho, aquele que vinha devagar, firme, sereno. Lembrei-me então: os equilibrados, os calmos e os prudentes quase sempre chegam ao destino.

A vida tem seu ritmo — o Dharma —, e nós seguimos viajando — o Karma. Quem corre demais na ânsia de conquistar tudo logo, muitas vezes se perde. Quem respeita o compasso da estrada, ainda que demore, vive melhor o caminho.

Viver, talvez, seja isso: encontrar um ritmo próprio. Nem a pressa dos ansiosos, nem a lentidão dos indecisos. Mas o fluir natural, como o riacho que desce a serra sem se preocupar com o tempo. Um dia, ele se torna rio. E sem alarde, se encontra com o mar.

Assim é a estrada. Assim é a vida. Assim é a filosofia que, silenciosa, nos acompanha no banco do passageiro.

Tião Neiva

TIÃO NEIVA
Enviado por TIÃO NEIVA em 22/04/2025
Código do texto: T8315739
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