🎼NEM CHORO, NEM VELA... SÓ UMA FITA AMARELA..."

O título da minha presente crônica me remete a uma canção de Noel Rosa que, na minha infância, eu sempre ouvia minha mãe cantarolar, ela que, por sua vez, aprendeu a letra da música com minha avó.

Claro que ainda não me era permitido entender a grande mensagem da aliterada poesia: " quando eu morrer... não quero choro nem vela, quero uma fita amarela, gravada com o nome dela...".

Inclusive, hoje entendo ser a letra um texto bem avançado para a sua época: " ... se existe alma na outra encarnação, eu quero uma mulata pra sapatear no meu caixão".

Já escrevi, também, sobre o quanto me intrigava ir ao cemitério da cidadezinha da minha avó, onde covas , esquecidas e carcomidas pelo tempo, conviviam no mesmo espaço com mausoléus exuberantes , verdadeiros palácios artísticos dignos dos icônicos museus da História.

Eu, na ingenuidade da infância, perguntava à minha tia : " por que esses túmulos parecem castelos?". E a resposta vinha automatizada:

" porque esses falecidos eram importantes ".

E eu seguia querendo entender " por que morreram se eram tão importantes...".

A morte, naquela época, já me soava como castigo.

E o que é " ser importante ", afinal?

A resposta nunca me chegou até eu ter um certo entendimento da vida...

O tempo passou.

As mortes continuaram ocorrendo, para os grandes e para os pequenos.

Mudavam apenas as acomodações, exatamente como na vida.

Mais tarde...eu atestaria muitas delas...as tantas " causa mortis" num mundo resfolegante de tudo.

Uns morrem nos castelos, outros nos meios fios das calçadas.

Com as mesmas dores.

Nos dias de hoje, o que muito me chama a atenção são os funerais prévios, as cerimônias que são organizadas para os que viveram nas torres, no total silêncio da invisibilidade para os que vivem e morrem nos porões da vida.

Na festa de alguns" mortos importantes" , durante poucas horas há absolutamente tudo que muitos, enquanto vivos, nunca tiveram, sequer em amostras grátis, aquele "pacotinhos de vida " conferidos pelas "bondades encenadas" dos tempos pouco iluminados.

O tempo passou...e continua a passar.

Absolutamente nada teria mudado, não fosse o mesmo e perene "glamour da vaidade humana", o que coroa algumas " festas de sepultamento" , essas que hoje ocorrem nas grandes empresas do" negócio morrer", as que transformam as mortes numa oportunidade de lucro sobre a vaidade arrogante dos que estão vivos e ainda não se perceberam como o mesmo pó reciclável.

" Dust in the Wind" relembrando outra canção.🎶

Nessas empresas tudo é perfeitamente planejado no mais requintado bom gosto do chiquê, onde todos aparecem para tudo, onde o tudo de todos é desfilado e relembrado, menos a essência da vida do que jaz imóvel , numa urna, artística e onerosa, que será cremada em pó em segundos, sem participar da festa em sua homenagem.

Então, volto ao fato Histórico que hoje mobiliza os mesmos holofotes DO MUNDO, guardadas as devidas proporções da religiosidade.

Perdemos o Papa Francisco, cujo desejo de sepultamento me reportou a todo o íntimo do meu intrigado sentimento vital , o que aqui expresso em crônica.

Ele nos deixa a maior mensagem "em morte" daquilo que precisamos exercitar "em vida", ou seja, a essência existencial do que jamais iria ao desencontro paradoxal dos princípios do Cristianismo.

Dar valor ao que , de fato, tem valor.

Talvez a HUMILDADE seja o mais forte dos valiosos princípios Cristãos.

Sem a humildade jamais estenderemos as mãos para amenizar as dores humanas.

Nem mesmo as nossas.

Sem Humildade é impossível o exercício da fraternidade. É ela quem nos abre as portas do essencial.

É preciso aprender a se entregar, a se aproximar por inteiro, para se salvar do mundo escuro.

Somos todos, apenas frações do mesmo pó, embora sacramentados pelo sopro de vida.

Mas uns, mesmo com todos os ensinamentos , talvez se considerem melhor PÓ que outros pós.

Mas...findo o sopro ao pó vital, voltamos à matéria esvoaçante que em pó morto, o que se misturará à terra de origem.

Do Alfa ao Ômega, é o mistério quem nos recebe e nos gratifica como pó edificantes de algo.

Portanto, essa é a grande mensagem do Papa Francisco ao optar pela simplicidade do seu sepultamento que, de certa forma, quebra alguns protocolos da Igreja Católica,Apostólica, Romana.

É a coerência espiritual entre a palavra e o ATO, a que vale para qualquer tempo e lugar.

Não importa o invólucro, tampouco a edificação da pós- morada .

Nem a cor das fitas...das homenagens.

É apenas a História terrena de cada legado, seja ela notória ou invisível , o que coroa a passagem para o sagrado "pó vivo" de cada sepultamento.

Vale a História que dispensa os holofotes dos Homens vaidosos, a hipocrisia anacrônica que apenas quer pontuar as fotos das horas históricas.

Talvez Noel Rosa tenha sentido o mesmo; Ao último suspiro, que peçamos pelo essencial; ainda que nos seja apenas " uma fita amarela gravada com o nome dela..."

E no Cristianismo...estamos à espera.

Que sigamos pela música da vida em Terra , em busca de uma partitura de NOVA LUZ ...

Que nos venha um CONCLAVE DE SOL à escura Humanidade dos nossos atuais dias. 🎼

Amém 🙏