A Pressa de Saber e o Desprezo pelo Saber
Vivemos tempos curiosos. O conhecimento está à disposição de todos como nunca antes na história humana, e, paradoxalmente, o saber — aquele que transforma, aprofunda e humaniza — parece cada vez mais negligenciado. Vivemos a era da informação instantânea, da resposta pronta, do tutorial em três passos. No entanto, a sabedoria, essa virtude ancestral, exige um ritmo que o mundo atual já não tolera.
A internet, essa revolução do século XXI, derrubou muros e nos conectou ao conhecimento universal. Mas o que fizemos com isso? Muitos, em vez de aprofundarem-se em temas essenciais, navegam superficialmente por ideias que não decantam. Confundimos acesso com assimilação, rapidez com profundidade, opinião com argumento. E nessa pressa em parecer que sabemos, esquecemos de, de fato, saber.
A sabedoria, como nos ensinaram os gregos, não é acúmulo de dados, mas uma forma de vida. É um tipo de silêncio atento, uma escuta interior que precisa de tempo para amadurecer. Sócrates, o mestre do "só sei que nada sei", apontava que a primeira atitude do sábio é reconhecer sua ignorância. Hoje, esse gesto seria interpretado como fraqueza ou insegurança. Vivemos numa cultura que venera certezas, mesmo que frágeis, e marginaliza dúvidas, mesmo que legítimas.
O problema não é o avanço tecnológico. É o uso que fazemos dele. A ânsia pelo saber instantâneo criou um paradoxo: queremos ser sábios sem atravessar o processo de amadurecimento. Queremos sabedoria sem esforço, profundidade sem tempo, compreensão sem escuta. Vivemos uma época onde a pergunta "o que você acha disso?" é feita mais por protocolo do que por real interesse. E muitas vezes, quem responde já o faz sem escutar, pronto para impor sua narrativa.
A filosofia, por sua própria natureza, vai na contramão desse fluxo. Ela exige pausa, exige contemplação. O filósofo não tem pressa, pois sabe que o pensamento é uma semente que brota devagar. Mas em um mundo dominado por redes sociais, likes e respostas de 280 caracteres, quem tem tempo para contemplar? Quem está disposto a descer aos porões das ideias, a mergulhar nos porquês?
A educação, espelho fiel de nossa sociedade, sofre desse mesmo mal. Em muitos contextos, escolas se tornaram fábricas de aprovação e universidades se transformaram em balcões de diplomas. A lógica é do mercado: produtividade, resultado rápido, competitividade. E onde entra o saber como formação humana? Onde estão os espaços para a filosofia, para a arte, para a escuta atenta?
A sabedoria verdadeira incomoda, porque convida à revisão de si mesmo. Ela nos faz enxergar nossas contradições, nossos preconceitos, nossas vaidades. Por isso, talvez, ela seja tão pouco desejada. É mais fácil seguir opiniões pré-fabricadas do que construir uma visão de mundo própria. É mais confortável repetir frases de efeito do que elaborar um pensamento genuíno. A sabedoria é trabalho de artífice — exige lapidação interior.
Neste cenário, não é incomum ver o sábio ser ridicularizado. Quem pensa demais é chamado de complicado, quem questiona é visto como negativo. Vivemos sob a tirania do otimismo raso e da praticidade imediata. Mas o saber não é prático — pelo menos, não à primeira vista. Ele é lento, desconfortável, e, muitas vezes, solitário. Mas é justamente isso que o torna tão valioso.
Precisamos recuperar o valor da escuta, da dúvida, da humildade intelectual. É preciso voltar a perguntar "por quê?" sem o constrangimento de parecer ingênuo. É preciso reaprender a ouvir quem pensa diferente, não para rebater, mas para entender. O saber nasce do diálogo, e o diálogo só floresce onde há respeito e paciência.
A busca pela sabedoria é uma jornada sem atalhos. Ela não promete sucesso imediato nem respostas definitivas. Mas oferece algo mais raro: lucidez. E em um mundo saturado de certezas baratas, a lucidez é um bem precioso. Ela nos permite ver o outro com empatia, questionar o senso comum, resistir ao automatismo.
Não é à toa que tantos sábios da história foram solitários ou marginalizados. A sabedoria não grita. Ela sussurra. E para escutá-la, é preciso silenciar o barulho das urgências artificiais. É preciso, sobretudo, coragem — coragem de não saber, de errar, de mudar de ideia. Coragem de se contradizer.
Enquanto o mundo corre em busca de novidades, o verdadeiro saber permanece, como um velho mestre à sombra de uma árvore, esperando que alguém se sente ao seu lado sem pressa. Quem se aproxima, encontra mais do que respostas: encontra sentido. E talvez seja isso que nos falte — não mais informações, mas sentido. Não mais conteúdo, mas consciência.
A sabedoria nunca esteve fora de alcance. Mas ela exige de nós algo que temos perdido: tempo, atenção e disposição para escutar o que não é dito. No fim, não é que as pessoas não valorizem o saber — é que, na pressa, esqueceram de como se chega até ele.
Renato Nascente