Vespertina
Estávamos em um grupo de cinco ou sete pessoas a matar o tempo no alpendre após o almoço.
Três de nós, incluindo -me, jogávamos dominó sobre uma mesa de concreto.
Na terceira mão perdida, saí da mesa e fui à copa pegar um gole de café. Seu Carlos, o mais velho entre nós, observava o jardim com seu cachimbo seguro pela mão direita e a esquerda cerrada atrás das costas. Lembro que ouvi de por aí que fora comandante de avião dos bons, porém nunca toquei no assunto com ele.
Aproximei-me assoprando a xícara e comentei sobre a chuva do dia anterior. O velho respondeu "pois é..."
Apontou o chão indicando uma trilha de formigas que carregavam folhas quatro vezes do tamanho de cada operária.
"Elas estão trabalhando, logo logo chega o inverno."
Um casal de pássaros marrons ciscam pequenos frutos que caem no chão de terra.
"Deve ser um casal de João-de Barro" diz o velho. Aponta sob uma marquise e mostra onde está a casa.
Distraído pesco outra conversa, vinda do resto do pessoal sentado em bancos sob uma sete copas. Parecia ser alguma coisa sobre o que colheriamos no futuro. Um camarada, um pouco mais leve (porém também muito sagaz e eloquente) graças ao vinho, pede a palavra levantando a mão:
"O futuro não existe, claro que não pretendo ofender a ninguém, mas aí, você (aponta outro de nós) como será seu futuro?"
O outro coça o cabelo.
"Só estando lá pra saber... Sei o que fiz hoje, acordei e tal e tal."
"Pois então" rebate o provocador " É passado. O presente é está conversa nesta tarde. Não construimos o futuro, construímos o passado."
Um gato marrom atravessa o terreno em passos lentos e o casal de passarinhos levanta vôo de barriga cheia.