A ARTE DE VOAR... SENTADO !

A ARTE DE VOAR... SENTADO !

-- "Escrever não dá camisa a ninguém!"

da. APOLÔNIA DE MORAES, ano 2000

Minha mãe foi sempre mulher do povo, pouco alfabetizada, embora manuseasse vez ou outra jornais e revistas lá em casa. Via as figuras, apenas isso ! Mas é possível "escrever" sem saber coisa alguma -- as cavernas milenares provam a todos -- assim como podemos VOAR sentados, seja enquanto passageiros de algum avião ou ainda como pilotos dele, quando não de um Fórmula1 ou asa-delta rudimentar. O título destas considerações se refere a outro tipo de voo, sem limites no espaço ou por questões de combustível.

É o "voo" do Espírito, do pensamento, da criação literária em todas as suas formas, formatos, gêneros, estilos. SCRIBBERE já foi ação apenas dos nobres e de um outro pensador nascido do povo, na Grécia antiga. As revoluções -- surgidas entre o povo, sempre -- trataram de exterminar uns e outros, nobres e filósofos.

De Spartacus, na Roma dos Césares, aos gregos e aos franceses unidos contra a Bastilha, sempre se tratou de um embate DO POVO -- que trabalha a vida inteira -- contra quem "nada produz", nobres e pensadores. Daí, esta sensação de ver o escritor, o poeta, como algo inútil, improdutivo e um sutil PERIGO para quase todos, como "representante" (ou representação ?) do rico, do abastado, do poderoso, dos nobres. Logo, por "consequência", um ESCRITOR nascido nas camadas pobres -- a maioria desde o século 19, pelo menos -- é dupla incongruência, de difícil assimilação até pelo próprio Autor. Nas sociedades primitivas só há 1 contador de histórias, ("griot") 1 mago, 1 druída, quem sabe 1 bruxo ou profeta, todos sendo substituídos após suas mortes. Somente a ele cabe PENSAR, filosofar, até "rabiscar" algo, ao estilo do nobre Moisés do Egito... e de rabinos e escribas. Aos demais resta TRABALHAR, ser o povo que carrega o Mundo nas costas.

A revolução industrial --de máquinas e excesso de "mão de obra" barata -- permitiu escalas de trabalho, sobrando tempo para o lazer -- danças, jogos, todo tipo de Arte -- e tirando das mãos e vidas dos nobres o "dolce far niente", o laissez faire", o "não fazer nada" por algumas horas a cada dia ou no "sabbatum" dedicado ao Senhor. Foi quando o pobre "apossou-se" das Artes praticadas somente nos nobres salões e castelos, nos saraus gregos, nas Thermas romanas... e cá estamos nós, ainda mal vistos "por quem trabalha" (?!), embora tenhamos todos algum tipo de ocupação porque, afinal, "escrever NÃO DÁ CAMISA a ninguém", exceto um Paulo Coelho, vez ou outra.

Entendo quando o escritor premiado Airton Souza comenta que suas vitórias são "uma vingança" em nome dos seus pais, que não tiveram a chance de frequentar escolas. Nem posso dizer o mesmo, minha mãe Apolônia (ou "Maria", para todos) só via valor NO TRABALHO; felizmente meu pai, que dirigiu caminhão por 55 ANOS ou mais, sabia o valor do ESTUDO e nos "raptou" do Morro onde nascemos para nos colocar em ótimas Escolas de freiras e de padres.

E aqui estou hoje "VOANDO sentado" pelo infinito, produzindo poemas, contos e esta crônica e sendo até procurado para dar ENTREVISTA enquanto escritor... vamos a ela ! Posso almejar mais ?! Isto me basta e não é pouco !

"NATO" AZEVEDO (em 21/março de 2025, 5hs)