Tão perto e tão possíveis
Era apenas uma criança no asfalto, sob um calor de mais ou menos cinquenta graus, sensação térmica de oitenta, caminhando sobre as brasas de pedras, na companhia de um velho e de Bolinha. O velho era alto e magro; o menino, baixo e alegre, degustando sua pipoca Gula; Bolinha, a balança entre eles, o meio-termo, o guia.
O velho levava em uma das mãos uma sacola de mangas (talvez maduras); na outra, a espera pelo revezamento, a troca de turno. A cada quatro passos, o velho revezava de mão a sacola pesada. Quem indicava o momento exato para a permuta era Bolinha, com aceno de rabo ou leve balançar de cabeça. A criança, despreocupada com peso ou direção, seguia sobre as brasas de pedras, mas alegre, mastigando sem dentes a pipoca Gula.
A rua fervia, os carros passavam, a vida urbana seguia: seca, severa, triste. Aquele trio, porém, parecia alheio às questões climáticas e comerciais. A preocupação visível do velho residia em proteger as frutas de uma eventual queda no asfalto; a da criança, experimentar devagar e distraída a pipoca Gula sabor cebola; e Bolinha, embora parecesse ser o mais sério e profissional do trio, por vezes dava-se ao luxo de desviar-se do caminho e lubrificar as pernas brancas de um poste. Mas logo voltava, tomava a frente da expedição e de seu papel de guia. E seguiam os três para algum lugar que talvez até bolinha desconhecesse.
O tempo e o calor ali não pareciam um fardo; mas algo plenamente suportável, que se media entre um passo e outro, entre uma troca de mãos, entre um aceno de rabo, mediado por saco de pipoca Gula.
Essa expedição dos rapazes, e especificamente a alegria pedestre e espontânea do menino com sua pipoca Gula, me fez relembrar o episódio do cara que passou anos trabalhando para comprar um carro; que, quando finalmente o adquiriu, já não sabia mais o que fazer com ele. Durante os primeiros dias, lavou-o diariamente, encerando a lataria com devoção, protegendo-o do frio com cobertor e outros exageros. O que antes era um sonho, no entanto, não tardou para virar pesadelo; a gasolina sempre cara; o IPVA, o seguro, as parcelas acumulando-se. A vida que não se transformou no sonho comercializado: o fim do idílio hollywoodiano em contraste com a alegria alegre e pedestre daquele menino sem grandes dívidas monetárias, sem prestações a pagar, que levava a alegria palpável entre as mãos, sua pipoca Gula.
Vê-los tão de perto e tão possíveis me deu a sensação de que talvez o segredo da vida (se é que viver tem segredo) não seja trabalhar para comprar um carro, mas aprender a caminhar sem pressa, embaixo de cinquenta graus, mastigando lentamente uma pipoca Gula.