A DÚVIDA DE ALGUMAS RESPOSTAS

Algumas palavras povoam nosso medo. Ei-las: Morte, solidão, tristeza, fracasso, remorso e medo.

Caro leitor, sei que está a ironizar-me diante do que proponho, mas aventuremo-nos a decifrá-las, ou que pelo menos tentemos.

Olhemos para o momento em que fechamos os olhos para o colorido viver, quando encontramo-nos enovelados pelo negro véu da morte, rumo a obscuridade, ao vazio. Pensemos no espírito que se vê livre das correntes que lhe aprisionam as coisas coloridamente materiais, no qual a sua percepção vasta e sua sensibilidade aflorada veem-se limitadas à simplória visão mortal. Sinta-o lançando-se a coisas novas e a nós inimagináveis, uma vez livre da redoma do tempo e do espaço. Pensemos: Uma gaiola conserva o pássaro sadio, forte e feliz, ao passo que o alimentamos, damos de beber e o ouvimos cantar, mas ele só beberá e se alimentará sozinho e será verdadeiramente feliz quando a porta da gaiola se abrir e ele sentir-se rasgando o céu, voando... É o que deseja.

E o que é a solidão, se a você esta palavra reveste-se de medo, do que a confirmação de uma falta de harmonia com tudo a ponto de não se conseguir ser a própria companhia? Será que uma vez sozinhos, quando o EU amigo manifesta-se e faz-nos perguntas profundas e revelações estarrecedoras, questiona-nos sobre nossas posições e atos e ironiza nossos sonhos, rindo de nossos medos é quando ele se mostra indesejável? Ou será que ele nem se manifesta, sufocado pelo véu tecido por nós mesmos e que separa o que desejamos e não que ele questione? Caro leitor, caso se enquadre em uma delas ou em definições semelhantes – cuidado! –, pois que a primeira se configura como um auto purgatório em que seu EU encontra-se penando, ainda que se manifeste, descortinando assim uma posição reversível. E a segunda – ai dos ais – seu EU encontra-se morto ou arrasta-se numa vida vegetal, pois que o véu tecido com o linho do medo muita coragem precisa para rasgá-lo.

O que fazemos quando estamos mergulhados em profunda tristeza? Como agimos quando estamos tristes? Mas sem autopiedades, escândalos internos ou necessidade de manifestações externas. Uma tristeza serena, um estar triste sóbrio. Se assim agirmos, a tristeza será a consequência de um outro sentimento qualquer, será um estado de espírito. Quando rolamos uma lágrima de saudade, de amor, remorso ou de alegria (tristeza não está ligada necessariamente aos sentimentos convencionalmente “tristes”), podemos nos encontrar envoltos na tristeza que seria, portanto, o profundo significado de tais sentimentos, num dado momento. Se nos encontramos náufragos num mar de alegria, no momento em que no cansaço cessarem-se as braçadas ou percamos o interesse de chegar à praia e formos engolidos pelo mar, estaremos então envolvidos na profundidade pelo significado tristeza. Ou se formos lançados no abismo da saudade, quando nossos corações encontram-se cortando o ar e o vento batendo à face de nosso espírito, no momento em que pensarmos nas mãos que nos empurraram e sentirmos o amor por elas em nós fertilizado estaremos mais uma vez envolvidos, na profundidade, pelo significado tristeza.

Pensemos agora no fracasso: Cruel e devastador, destruidor de sonhos e aniquilador de aspirações. Nada disso. O fracasso nada mais é que o limitador de nossas fronteiras. E esteja certo de que ele se inquieta a fim de dilatar tais fronteiras e cabe a nós derrotarmo-nos, na interpretação equivocada, ou incentivarmo-nos ante a consciência sóbria de que seremos sempre jovens diante das coisas que nos são novas e, como tal, sujeitos a inevitáveis derrotas. Por fim, o fracasso é nosso irmão mais velho e que se mostra fria, mas de forma justa, nos momentos em que fomos derrotados.

O leitor amigo que fielmente ainda conserva tal leitura, por acaso já desceu as trevas do remorso? Mas um remorso honesto, com cheiro de enxofre e caldeiras de água fervente. E o que lhe traduziu tal sentimento: apenas a consciência passiva do mal feito ou nem sequer a consciência, perdida na conveniência do receio do medo da dor que espelha na magoa e que reflete opaco, o remorso? Sabe, não sou a favor de radicalismos, porém nessa escolha preferiria a ignorância total, ainda que mascarada por uma conveniência, do que a gota de um sentimento que é mar. No dia-a-dia, no nosso círculo afetuoso, na troca constante com os entes que temos afinidade profunda, criamos jardins de flores diversas. E se há a necessidade da poda, pois que podem vir a surgir ervas daninhas ou espinhos mais grosseiros, que as façamos com rigoroso cuidado, com as mãos jardineiras de Deus, pois que na menor negligência uma rosa pode vir a quebrar-se, e a redoma de finíssimo cristal se estilhaçará, e o véu de seda mais pura que a cobre se esfarrapará, e no coração que habita tal jardim esvair-se-á de dor numa sangria desatada da mágoa que se estenderá na proporção da dimensão do amor pelas mãos que num descuido ou não, rabiscaram tal ferida. Para o veneno bebido da mágoa criada na taça pelo amor conquistada, o antídoto será a saliva desse ente amado, no perdão implorado de dentro da caldeira de água fervente e envolto em total cheiro de enxofre.

Tenho medo de estar me tornando cansativo. Nessa frase aproveito para expor sobre o último item por mim proposto. Temos medo de tudo que é novo, e os que me preocupam mais são os que se negam a admitir isso por medo, pois que esses possuem até o receio de sentir medo, e certamente se acovardarão para todo o resto. O leitor, e isso também é certo, já se apercebeu de que todos os sentimentos ou estado de espírito anteriormente discutidos, num constante estiveram associados ao medo. Chocando-se com isso, minhas definições descortinaram uma visão nova, transcendental, ou pelo menos tentaram. Partindo disso, eu ratifico e lhes proponho: O que seria o medo se não um receio pelo desconhecido? E se o medo é do medo, o que seria o desconhecido se não uma ideia infundada sobre o que nos é novo? O medo é o apêndice de um sentimento virgem e que tende a supurar na conveniência de quem se vê à mercê de um novo passo. Então lancemo-nos num pra sempre com a coragem de todos nós infinitamente jovens para tudo o que nos é novo, no abismo do desconhecido, no mar do indefinido, e estejamos certos de que estaremos num constante a um passo da estarrecedora definição da morte, de apoteóticas saudades ferrenhas, embriagados por tristezas tamanhas, coroados pelo fracasso humilhante, flagelados nas trevas do remorso e contagiados por um medo universal. Caso contrário, por favor, rasgue tais folhas e não comente com ninguém o que foi lido, pois tenho MEDO de ser virtualmente incompreendido.