A FESTA NÃO É NOSSA
Em cada canto da cidade, as luzes piscam, as músicas ecoam e os sorrisos se espalham como se a festa fosse um direito universal. Mas, à medida que nos perdemos em meio a esse brilho, é preciso confrontar uma verdade amarga: a festa não é nossa. Não é uma celebração da vida, mas um espelho que reflete a hipocrisia de uma sociedade que ignora a dor do outro.
Nossos pais, que viveram na roça, deixaram um legado de luta e resistência, mas também de pobreza e tristeza. Eles labutavam sob o sol escaldante, sem o conforto das tecnologias que hoje nos cercam, mas com uma dignidade que muitas vezes nos falta. Hoje, somos cercados por uma realidade que, em muitos aspectos, é idêntica à deles. Nossos irmãos, que deveriam estar desfrutando das pequenas alegrias da vida, não têm nem mesmo o básico: o café para o começo do dia ou o pão que sacia a fome. Em casa, o gás do botijão acabou, e a única chama que arde é a da indignação.
É nesse contexto que a festa se torna um paradoxo. Enquanto os convidados enchem suas barrigas com comes e bebes, do lado de fora, os vizinhos enfrentam a dura realidade da saúde precária, e as crianças, que deveriam brincar, se veem confrontadas com a morte por falta de atendimento médico. Na favela, nossos filhos não atingem a maioridade, não por falta de sonhos, mas pela escassez de oportunidades. Trabalhamos como escravos modernos, esgotando nossas forças em empregos que não nos dignificam, apenas para manter as aparências. Nas redes sociais, mostramos um sorriso que esconde a essência da luta diária.
As festas que organizamos muitas vezes não recebem presentes, pois os convidados mal têm dinheiro para comprar uma pasta de dente. A alegria que se manifesta nos sorrisos é efêmera, e, no dia seguinte, a realidade nos traz de volta à tristeza: não há pão na mesa, e a visão dos amigos e parentes passando fome se transforma em um peso insuportável. Que festa de Natal ou Ano Novo pode existir quando, ao nosso redor, há tantos que não conseguem encontrar trabalho, que não têm o que comemorar?
Os direitos sociais previstos na Constituição Federal, como o direito à educação, à saúde e à moradia, deveriam ser a base da nossa convivência. No entanto, na prática, eles são desrespeitados, esquecidos em meio ao consumo desenfreado e ao individualismo. A festa, que deveria ser um momento de união e celebração, torna-se, assim, uma ironia cruel. Como podemos festejar quando tantos ainda lutam por dignidade?
É preciso repensar o significado da festa. Não podemos nos permitir celebrar a nossa alegria enquanto a dor do próximo nos cerca. A verdadeira festividade deve ser aquela que inclui a todos, que proporciona um espaço onde a felicidade é compartilhada e a solidariedade prevalece. Enquanto não conseguirmos transformar a festa em um símbolo de inclusão e justiça social, ela continuará a ser um eco vazio, uma celebração que não é nossa, mas que deve ser de todos. E assim, talvez possamos encontrar um novo significado para as nossas festas, onde a essência não seja apenas a aparência, mas a verdadeira alegria de viver em comunidade.