O que escrever para próxima crônica?

          O cronista sofre, horas a fio, à procura de uma ideia para iniciar a crônica, que deve entregar ao jornal. Às vezes é assim, mas, graças ao sopro do Espírito Santo, à maioria delas, a imaginação tem sido fértil, seja motivada por uma ideia, seja por qualquer motivo, basta escrever as primeiras frases e logo surge o primeiro período, que se derrama como as primeiras águas de uma enchente ou como tinta num borrão, em direção à continuação do texto. O difícil é começar.
          Contudo, não saber o que escrever, quando se deve escrever, inquieta qualquer escritor. Põe-se ele diante de um papel em branco, sem alguma sugestão, nenhuma ideia, apenas uma caneta na mão; rabisca, muda de papel que vira bola ao lixo, limpa os óculos, recoloca os óculos, mas não vê o que escrever. Faz círculos como se fossem zeros, transforma-os em botões de rosas, colocando-lhes, em cada, quatro ou seis pétalas; junta-as num feixe, como se fosse um buquê, mas, a crônica que seria boa, não sai.
         Olha pela janela, aguardando um pássaro que lhe traga inspiração, como foi o caso do penúltimo texto, que abordou sobre “canto e encanto do canário da terra”. Mas, pela janela só passam o barulho de carro, das motos sem escape, dos gritos dos meninos, jogando bola, das batidas da construção, bem ao lado. Volta a poisar a pena no papel, que, já seca, pede outro mergulho no tinteiro. Passa a mão na cabeça, de onde não vem o que escrever. Encolhe a cortina para ver completamente a mangueira, o cajueiro, no entanto, além das mangas e dos cajus, nada a escrever.
          Passa a língua no dente que parece ter se quebrado, pensa na dentista, e na já na cadeira semi-inclinada, de boca escancarada, chega a escutar: - Pode cuspir. Transporta-se de volta para casa e pensa que, naquele consultório, é o único lugar onde se ordena cuspir. Vê-se o contrário: “Não cuspa no chão”. Mas, tudo isso parece não agradar para ser assunto de crônica. Para ser coerente com a imaginação, vai ao banheiro e sem precisar, reduz a saliva na ponta da língua e cospe com satisfação. Mas, nenhum assunto lhe ocorre.
         Deixa os círculos de lado e começa a escrever vários oitos, quando se lembra que o professor lhe ensinara que bastaria um oito deitado para simbolizar o infinito. De repente, chega a inspiração para que a crônica fosse sobre “a infinitude do universo”, tema inesgotável, tão vasto como o mundo, e de inúmeras facetas. E se faltasse continuação, recorrer-se-ia, sem sair propriamente do assunto, sobre a infinitude do amor, que se basearia neste Natal, festa que se aproxima. E ao se acabar a “infinitude”, ainda haveria a finitude e, em torno dela, as suas filosofias das coisas que têm e não têm fim.
          Pronto, terminou a crônica... O cronista se espreguiça, boceja, e um pouco vitorioso, vasculha os borrões, fecha os dicionários e pergunta a si mesmo: O que vou escrever para a próxima crônica? Talvez sobre que não é tão difícil achar assunto nesse mundo de tantas coisas, de controvérsias e entendimentos, de contrariedades e contentamentos, de inspiração e desestímulos ou desalentos.