A Sinfonia Esquecida - um olhar sobre o tempo e a música.
A tarde cheira a mato molhado. Observo a janela acortinada por um tecido mostarda com desenhos marrons que dançam ao ritmo da leve brisa.
As mãos, desgastadas pelo tempo, ainda nutrem paixão pelas notas corretas. Aquelas que possuem um pouco de exatidão incerta e gracejos dissonantes. Os dedos não são mais os de outrora, mas não envergonham-se de sua desenvoltura.
Os ouvidos clamam. Pedem um suave resvalar das unhas em uma bela sequência harmônica em si menor. Um amálgama de sons floridos que alimenta a alma.
Os olhos a observam com curvatura graciosa e feminina. A madeira de marrom envelhecido revela os veios da idade. A poeira a incomoda. Seu apelo é ensurdecedor: "Toque-me".
Ao ser levada ao colo, une-se ao corpo magro, transformando-se em um. Ela recebe a extensão do corpo de seu amo, e ele, a voz inigualável de sua obra de arte.
Longo respirar, tilintar dos dedos, o leve som das unhas nas cordas... A mágica começa. A voz transforma o ar em cheiro de carvalho e toque de cetim.
O vento balança as cortinas, fazendo-as dançar em ritmo de morangos silvestres. Os ouvidos choram, os olhos bailam, os dedos flutuam. O ambiente se torna um misto de bosques temperados e areias brancas de praias desertas. Não há mais lugar, aromas, toques, formas, sentimentos. Apenas há.