A necessidade da gratidão         

 

          Havia a estória de um bondoso e corajoso negro, que encontrando enorme leão, mancando com uma das patas, tirou-lhe o espinho que a aferroava, com insistente dor. O leão atirou o olhar nos seus olhos, e vezes depois, quando, pelo faro, encontrava seu benfeitor, sentava-se ao lado dele, aguardando carícias na sua juba, o que retribuía com cheiro e lambidas, umedecendo as secas pernas do benfeitor, comportando-se como um gato. Era gratidão da natureza, do animal ao homem, criaturas que eram, sem algum interesse, gratas.
          Nos humanos, a gratidão nasce nos corações, espontânea, com naturalidade, sobretudo com humildade, porque o grato reconhece que a bondade recebida não foi por mérito ou por retribuição, mas diferente de uma troca, simplesmente um agradecimento, sem querer algum retorno. Agradecer é assim, grato vem do latim: gratia (graça, agradecimento), é costumeira a expressão “graças a Deus” (Deo gratias), espera-se que não seja por automatismo, mas rezando-se um louvor. O que vem faltando é agradecer aos nossos semelhantes, detalhe que distingue, contrariamente da mefistofélica ingratidão. 
         Se a gratidão conforta, dá prazer e felicidade, a ingratidão, em toda sua compreensão e extensão, fere como o espinho, magoa, desconforta e incomoda ao lembrar a infelicidade do ingrato e dos seus infortúnios. Cometer ingratidão faz parte da infelicidade do ingrato... Entre nossos males: a mentira, a frivolidade, a insensatez, a soberba, a presunção, a inveja, considero a ingratidão como a pior das piores, que nasce da soberba, segundo Cervantes em Dom Quixote: La ingratitud es hija de la soberbia, prática de quem se acha superior aos outros.
         A ingratidão não consiste apenas na indiferença ou no esquecimento de quem beneficiou, mas, psicologicamente, numa aversão oculta a quem ajudou, motivada pelo sentimento de que se apequenou a ser ajudado pelo outro, como que se inferiorizasse com a ajuda. Os ingratos não são raros, apenas existem os mais ingratos ou os menos ingratos. Mas, normalmente se encontram, quando, carentes, precisam de alguém que lhes preste algum benefício.
         Condiciona-se só haver gratidão, se houver a prática do bem, compreende-se. Mas, desde o primeiro momento do benefício, nasce o dever da gratidão, o que se fosse, sponte sua, depois de praticada, o início da continuidade da gratidão incondicional, em que nada é combinado, sendo apenas um vínculo sentimental. Quando se sente a necessidade de ser grato, ocorre a necessidade da gratidão, embora não exista alguma imposição para se ser grato, pois assim, desapareceria a espontaneidade da gratidão, até a Deus ela se consagra espontânea, é Ele que assim a deseja...
          Fazer o bem, sem previsão de reconhecimento, é o recomendável nesse mundo de ingratidões. Há até quem, ofendido por alguém, raciocine não estar sendo agredido pelo ofensor, porque nunca lhe fez benefício... Os gratos e os ingratos fazem parte, ativamente, da natural entropia cósmica da humanidade. Então, o que fazer? Fazer o bem e ser grato a quem isso nos faz, já que a gratidão não se considera uma ação interesseira. O grato não comete o pecado da ingratidão, esperando um benefício maior da parte do seu benfeitor.
          Há no amor uma simbiose com a gratidão, os gratos sempre amam e os que amam sempre são gratos.