Um rebelde à beira do abismo - parte final
Por que as coisas são assim? Fui longe demais? Foda-se! Cheguei no ponto em que seguir adiante é mais fácil que voltar para trás. O ser humano adoece naturalmente da cabeça, e por sua vez, da alma, do espírito e do corpo. Inventário dos meus bens e como deve ser realizada a partilha: o meu Fred Krueger de crochê, um Amigurumi feito pelas mãos da Srta. Mô.Ni.Ca (não tem o chapeuzinho no nome dela, seu burro!) deixo para o Jeremias. Já o palhaço Krusty, que ganhei do Jeremias quando ele foi à Disneylândia, deixo para a Srta. Mo.Ni.Ca. Portanto, é uma troca. Para ela, deixo também o meu quadro com a moldura lascada, de uma pintura de Egon Schiele que eu chamo de "a ruiva de meias, em decúbito ventral". Meus livros, triste pensar, serão vilipendiados por mãos sujas e desinteressadas, pérolas dadas aos porcos - se pudesse, entregava-os à algum leitor que soubesse lê-los, valorizá-los, rabiscá-los palavra por palavra, página por página. O tempo é cada vez mais curto. Há tempo para uma última dança? Quanto ao Choco, espero que meus pais possam cuidar dele e que tenha uma vida feliz. E quanto aos que ficam, os que não se auto aniquilam, o que dizes à eles, oh infeliz? Ora, seguirão em frente, refestelando-se, sorrindo, mexendo no celular, serei para eles um trauminha passageiro, inadequado e constrangedor. Mas, não os odeio; pelo contrário, desejo que vivam plenamente durante muitos anos; entendendo-se e compreendendo-se entre eles. Além de escrever, sentirei falta de outra coisa, lá no submundo: escutar minhas músicas (que hoje estão armazenadas no Spotify); já chorei, tocado profundamente por emoções sublimes, escutando várias delas ( My Favorite Things, Sanfona Sentida, Alegre Menina.) Me vem à mente mais uma coisa importante que será motivo de saudades: meter gostoso até gozar, até ver minha mulher gozar e gemer de prazer, enquanto a estoco vigorosamente, carinhosamente. Os beijos. As línguas. As salivas. Farão muita falta no inferno. Será que poderei pixar? Creio que seja altamente improvável! Pois então, eis mais uma coisa que deixarei para trás. Agora, já não param de vir à mente coisas que não poderei viver sem: o pão na chapa, o café, o cuscuz com manteiga, charque e ovo mexido, o jornal da Cultura, o Café Filosófico, minha vitrola, o São Paulo jogando...pensando bem, Deus, tem como deixar quieto esse papo todo? Lançar essas "palavrinhas" no mar do esquecimento? Sei que às vezes digo umas coisinhas a mais, movido pelo ódio e pela desesperança, mas, sabe como é, aqui na terra a gente tem que dar um jeito de sobreviver.