Um rebelde à beira do abismo - parte 1
Olá Deus! (uma saudação jovial, para disfarçar a tensão, o cinismo, a desilusão e o ódio).
Quanto mais o tempo passa, vejo e admito que tu está pouco se fodendo para mim, para todo mundo. Teu negócio é a física quântica, os aglomerados de estrelas, as distancias inconcebíveis do Universo e a natureza elevada dos anjos tocando aquelas harpas de merda, e tu, gordo, refestelado nos altos céus rindo, regozijando, deleitando-se e se agradando destes anjinhos obedientes. Deus, é verdade que o "outro lado" é mais atuante, vivo e interessado do que tu? Não precisa me responder. Estou sentindo uma vontade de evaporar. Se morrer terei um enorme inconveniente: no lugar para onde irei ( o inferno? o tártaro? o abismo?) não poderei escrever minhas malcriações absurdas, minhas revoltas e rebeliões contra o Criador omisso que és tu! Estou em franca rebelião! Xingo de fétida, imunda e suja a gordona da minha vizinha, tenho nojo dela! De verdade! Ver a cara da gordona da minha vizinha causa-me repugnância. Não só a dela! A de um malandro velho que tive o desprazer de ter conhecido no escritório em que trabalho, também me causa ânsia e desperta em mim os mais sórdidos sentimentos de ódio, repúdio, ojeriza, etc. Causa-me agonia e desespero saber que de um ano para outro, em nada evolui como ser humano. Pelo contrário, retrocedi! Retornei amiúde ao vômito, lambi-o, suguei-o.
Abri a porta para sete demônios que entraram e fizeram grande arruaça. Talvez, não fique muito por aqui, me movo a ajo por impulsos. E o impulso agora me impele a tirar a única coisa que tenho: minha vida. Este impulso aniquilante dirige-se apenas à mim, não teria coragem de fazer mal ao Choco, meu cachorro vira-lata, pois, acredito que seria uma crueldade desnecessária, afinal, por que fazer sofrer um ser tão dócil, leal, inocente. Agora mesmo, seus olhinhos estão pregados em mim, submissos, caninos, amorosos, como que me dizendo: "olha lá o que você está escrevendo para Deus nesta sua caderneta!"