Tramas de Versos e Linhas
Há algo mágico em segurar uma linha e uma agulha e sentir o mundo ao redor se transformar. Em cada ponto, cada volta, um pensamento. Em cada laçada, uma lembrança. É como se, naqueles instantes de trançar o fio, o tempo cedesse, permitisse que o mundo se acomodasse enquanto eu, em silêncio, seguisse o mesmo movimento, repetitivo e quase sagrado.
Crochetar é mais do que fazer peças; é dar vida aos sentimentos. É uma forma de prece, talvez, uma dança entre as mãos e o fio, onde cada ponto traz algo de dentro — um segredo, uma saudade, uma alegria escondida. O fio enrola-se e desenrola-se, como os dias, e vejo que cada linha guarda uma história, uma que, como as palavras, quer ser dita.
Os dedos, firmes e pacientes, moldam o desenho que, antes de existir na linha, mora no coração. Quando crochê e poesia se encontram, algo delicado acontece: é como se os versos nascessem entre as tramas, feitos de emoção e de cor, suaves e ternos. Cada ponto é uma sílaba, cada laçada, uma palavra. O fio desce, a agulha volta, como se buscasse extrair dos fios um sentido novo, um mundo que só existe na ponta da agulha e na ponta da caneta.
Em meio a esse bordado de linhas e versos, o tempo perde sua pressa. O que importa é o ritmo, a cadência suave de quem sabe que a vida é feita de pequenos nós e delicadas entrelinhas. Ali, sentada com minhas agulhas e meu novelo, entre tramas e palavras, vejo que há muito do meu mundo nos pontos que se entrelaçam, nas histórias que invento.
E ao terminar, ao colocar o ponto final na peça e no verso, sei que deixo ali um pedaço de mim. Porque cada criação, cada ponto, é um sinal — um pedaço de quem somos, uma marca que deixamos para lembrar que passamos por aqui, que amamos, que sonhamos, e que, entre versos e linhas, escrevemos nossa história.
Helena Bernardes
06 nov 2024