A Direita e o Pobre de direita – continuando nosso bate papo
Continuando nossa conversa sobre o ‘pobre de direita’, nesta 2ª parte prosseguimos o ‘bate papo’, agora com o foco voltado para o que é a Direita e, quando isso passou a definir o pertencimento a um determinado campo da política. Mais ainda, os significados, no Brasil, da expressão pobre de direita quando aplicada a uma pessoa ou grupo social.
É impossível pensar a Direita sem que seu oposto seja lembrado. Assim, num horizonte maniqueísta (onde existem dois e um em oposição ao outro) ao se mencionar Direita, necessariamente, faz-se obrigatório refletir sobre seu antagonista: a Esquerda.
Esquerda e Direita como correntes políticas tem sua origem na Revolução Francesa - que ocorreu a pouco menos de 300 anos - e, desde então, servem para definir a distância entre os mais conservadores e os que desejam mudanças mais radicais na sociedade. Neste momento estar na Esquerda não significava adesão ao comunismo, pois, no máximo, o sonho de mudança – naquela época – estava proposto nos chamados socialistas utópicos. É somente com Marx que o conceito – proposta do comunismo se torna uma ‘bandeira’ de parte significativa da Esquerda.
A revolução francesa, em seu momento mais radical guilhotinou o rei (em 1793) e mesmo sua esposa Maria Antonieta também não escapou de tal pena. O mais curioso, ainda, é que Danton – um dos criadores do Tribunal Revolucionário - acabou também sendo executado no ano seguinte. Em política nada é permanente, isto é, o inimigo de hoje pode se tornar o aliado na próxima eleição. Numa das eleições para presidente da República o candidato Brizola chamou ao Lula de ‘sapo barbudo’ em outro momento eleitoral ele o apoiou e, brincando afirmou que ‘ás vezes é preciso engolir o sapo’.
A Direita e a Esquerda, enquanto agrupações político-ideológicas, efetivamente são bem complexas e, estão distantes de uma uniformidade. Em outros termos, em ambas há conflito interno – correntes que se opõem e disputam espaços de poder.
Vejamos agora a Direita no Brasil e nela o pobre de direita.
No horizonte da Direita estão os conservadores e tradicionalistas, principalmente no que se refere aos usos e costumes. São marcados por uma visão moralista, uma idealização do passado no que tange à família, modo de viver a religião e as relações entre os diversos grupos sociais. Nesta direção estar à direita é assumir como seu a tríade: pátria, família, Deus. Fica fácil, partindo desse ponto, entender o que se afirma negativamente sobre a Esquerda e suas lutas.
Na extrema Direita estão os negacionistas (da vacina e da ciência em geral), os que acreditam que a Terra é plana, que tudo o que se refere a gênero (incluindo o universo LGBTQ+) é demoníaco, e até mesmo os que consideram que pegar em armas é uma atitude cristã. Este moralismo exacerbado é cotidianamente alimentado nas redes sociais e em muitas igrejas neopentecostais – e incluindo segmentos mais tradicionalistas no contexto Católico Romano. Num passado recente – 2018 – cristãos católicos e evangélicos garantiram no voto, a maioria que elegeu a Bolsonaro.
Refletem essa ‘nova’ mentalidade inúmeras situações de conflitos com intensidade até então desconhecidos, e, em geral, amplamente divulgados nas mídias sociais: a) a exclusão em grupos de ZAP da família; b) grupos cristãos propondo e realizando a expulsão de fieis e ministros religiosos por terem outra leitura da realidade, muitos inclusive, tachados abertamente de comunistas; c) vigilância sobre o que estava sendo ‘ensinado’ nas escolas e também, já na área da saúde, nos hospitais – com relação a pandemia de COVID, a realização de aborto legal etc.
Politicamente no campo ideológico da Direita – seja ela mais liberal, conservadora ou extremista – o pano de fundo é a redução do Estado - visto como corrupto e corruptor – e a implementação na sociedade de um ideário econômico neoliberal. Nega-se a validade ou mesmo a necessidade de políticas sociais (Bolsa Família, Minha casa minha vida, Pé de meia – incentivo a estudantes do Ensino Médio, etc), bem como a criação de novas Reservas Indígenas, e políticas para a agricultura familiar. Tudo isto é visto como mau uso da máquina pública e, no mínimo, desperdício de recursos. Isso traz profundas consequencias para o pobre, mas também, para o conjunto da sociedade.
No entanto, do ponto de vista econômico a Direita incorpora todas as novidades do neoliberalismo, do individualismo, da meritocracia e até de um cristianismo marcado pela gratificação imediata proposta por algumas teologias, tal como a chamada teologia da prosperidade.
No ICL- Instituto Conhecimento Liberta encontro uma afirmação que me chamou a atenção : “ O “pobre de direita” vê no conservadorismo uma forma de dignidade pessoal, alinhando-se com a ideia de “trabalhador honesto”, mesmo que isso não se traduza em melhorias concretas para sua vida. A figura do “cidadão de bem” é construída em oposição àqueles que são considerados “delinquentes” ou “aproveitadores” do sistema, como os que recebem auxílio social ou lutam por direitos.” ( : https://iclnoticias.com.br/atg/pobre-de-direita/ )
Sem ter a ilusão de explicar a ‘totalidade’ da cosmovisão do pobre de direita, penso ser possível sintetizar:
1) O pobre de direita é o grande eleitor brasileiro. É sem dúvida graças a ele que o Congresso nacional (Câmara e Senado) tem em sua composição uma ampla maioria conservadora e, em aberta ou veladamente oposição ao atual governo de Centro-Esquerda; A mesma realidade se repetiu, recentemente, nas eleições municipais, em que a grande mídia reconhece uma vitória do Centrão.
2) O pobre de direita não se vê irmão ou ‘companheiro’ de outra pessoa nas mesmas situações de precariedade econômica e social. Ele está irmanado com aqueles que reproduzem, tal qual, sua crença na meritocracia, seu modo de viver a religião cristã e, sua intolerância a novos arranjos familiares e quaisquer outros temas pejorativamente agrupados como parte da agenda de ‘direitos humanos’.
3) O pobre de direita é imune a qualquer argumento racional – desde que o mesmo possa de algum modo ser identificado como ‘manipulação cultural’ da Esquerda. Assim, para ele não existe estruturalmente racismo, machismo, crimes contra a mulher, desigualdade ou qualquer outra forma de discriminação. Tudo isso é visto como mi mi mi.
4) O pobre de direita repete um universo simbólico (Deus, pátria, família) denso e ao mesmo tempo superficial. Denso porque carrega questões existências – quase sempre de peso reduzido para as esquerdas – interiorizadas na vivência religiosa e nos modelos idealizados do masculino e do feminino, do Estado e da família. Superficial porque não está ancorado nos dados da realidade ou mesmo do conhecimento científico atual. É o senso comum imperando naquilo que ele tem de pior.
5) O pobre de direita não é uma novidade, bem como a existência de classes abastadas, seja nos latifúndios do agronegócio ou no capital financeiro e industrial. O que é novo é seu ativo papel na defesa de ideário e práticas de direita, sua capacidade de exprimir ódio ao divergente, numa alienação tamanha que de fato deixa as esquerdas atordoadas.
Acredito ter apresentado, ainda que brevemente, um pouco do que é a Direita e o pobre de direita. Entretanto, ficaram para mim, alguns questionamentos que desejo compartilhar:
A) Como convergir, unir as vontades e os grupos sociais na direção do bem viver?
B) Como superar as dualidades simplificadoras e insuficientes para interpretar a complexidade do tempo presente?
C) O ser humano que está sendo forjado na sociedade e cultura brasileira é capaz de contribuir para as mudanças que se fazem necessárias, no modo de produção capitalista e simultaneamente estar atento as mudanças climáticas e novas relações com a natureza?