Vladimir e os V, VI, VII e VIII Fenarts

 

           Falar com Vladimir seria como se estivesse num cinema, quando se comentariam melhores filmes do que os premiados pelos festivais. Fazia essa arte, desnodando dificuldades, com seu rico imaginário. Havia suas admirações que coincidiam com as nossas, ou quando trazia ao assunto filmes esquecidos ou os que não estavam lançados, ou ainda sendo rodado por um diretor amigo. Aos cinéfilos nada melhor do que conversar com Vladimir, num passeio pela sétima arte.
           Suas referências eram as grandezas dos cinemas, ou, nos pequenos, telas e as projeções dos seus cinemas paradiso. Vivia isso no Cine Ideal de Itabaiana; no Rex, no Municipal ou no Plaza, em João Pessoa; em Campina Grande, no Capitólio; ou às vezes, em Recife, no São Luiz, onde não lhe dispensavam o uso de paletó e gravata. Matuto, com pouco dinheiro, contudo frequentava os chics cinemas ou qualquer sala de exibição, namorando e casado com essa arte que lhe dava prazer. Convencia-nos de que no cinema todos cabiam: artes, artistas, cinéfilos e público, mesmo por trás da tela em lençóis de casal, nos Mercados Públicos, écran das pequenas cidades do interior.
          Encontrei-me algumas vezes com Vladimir em Itabaiana, quando, sorria, dizendo-se itabaianense de verdade; eu, não, inventava, tinha nascido em Pilar e trazido à feira de Itabaiana, caçoando do título de cidadão itabaianense, que a Câmara me concedera. Tudo isso cabia nele: nasceu em Itabaiana, brincando nas águas do rio Paraíba, para depois se tornar, pelo voto dos vereadores, também pilarense. Título bem merecido, especialmente porque filmou os valores de Pilar, engenhos e os romances de José Lins do Rêgo. No entanto, valorizava sobremaneira o seu berço, repetindo: “Enquanto não me lembro de Itabaiana, sonho com ela”...
          Tive a honra de trabalhar nos dois Governos de José Maranhão: no Iphaep, quando se realizaram dezenas de significativos tombamentos e ,mais ainda, defesa do patrimônio tombado, como o Cine Capitólio e o São José. Também como Presidente da Fundação Espaço Cultural, quando, anualmente, realizamos quatro dos maiores festivais de arte e cultura, cada um em 12 dias, com artistas nacionais e internacionais, a exemplo da fadista Maria da Fé e a banda Gordo, de Lisboa; e, em dois festivais, do excelente Novel Voz, de Cuba, com nove artistas. Nos Fenarts, exibiam-se todas as modalidades da arte: música, dança, teatro, literatura, circo, teatro de bonecos, fotografia, artes plásticas, e sobretudo cinema, com oficinas, concursos, estudos, conferências, debates etc. Vladimir e Sivuca exerciam presenças indispensáveis a esses riquíssimos eventos.
          No Cine Banguê, coordenado por Heleno Campelo, Vladimir Carvalho era a alma, o mentor e também atração, debatendo com Nelson Pereira dos Santos e Zuza Homem de Melo sobre a música no cinema... Assim foram O V FENART (20/04 a 01/05/1999), em homenagem a Jackson do Pandeiro; depois, homenageou-se Pedro Américo, no VI (26/05 a 03/06 /2000); em seguida no VII, sendo  patrono José Lins do Rêgo (29/05 a 09/06/2001) e, enfim, o VIII Fenart, tendo como patrono Paulo Pontes (24/05 a 01/06/2002). Em todos, Vladimir era exitosa participação.
           Certo dia, Vladimir viajou de Brasília a João Pessoa, sem que eu soubesse. Mas, à noite, em adiantada hora, ligou-me para dizer que não estava passando bem. Tive a iniciativa de pedir ao Dr. Manoel Jaime para irmos à pousada, onde Vladimir foi curado. Jaime se compensou ao atender uma pessoa que tanto admirava, e eu compreendi que, dentre tantos conhecidos para ele pedir essas atenções, recorreu a mim, como quem confiasse na nossa amizade, e na tradução de Cícero (106 - 43 a.C) : Amicus certus in re incerta cernitur ou O amigo certo se reconhece numa situação incerta...  
          Entusiasmou-nos, a mim e a Wills Leal, à criação da Academia Paraibana de Cinema, como também me influenciou a criar o Cineclube Verbo e Imagem da Academia Paraibana de Letras e o muito frequentado, na Fundação Casa de José Américo, Cineclube O Homem de Areia, denominado assim pelo título renomado de um dos seus filmes.