Halloween e as Lendas do Brasil: Entre Bruxas e Curupiras
Era uma noite escura de outubro, e as ruas se encheram de crianças fantasiadas, algumas de bruxas, outras de zumbis, e até mesmo de super-heróis. As casas, iluminadas por abóboras sorridentes, aguardavam os pequenos pedintes de doces, em uma tradição que, de origem celta, veio parar em solo brasileiro. E, junto com a festa, veio também um certo desconforto. “Será que o Halloween não rouba espaço das nossas tradições?” questionam alguns. Mas será que isso importa tanto assim?
Se pensarmos bem, o Brasil sempre foi um país de encontros. No berço do nosso imaginário popular, convivem, sem grandes disputas, figuras tão emblemáticas quanto as criaturas do Halloween. Temos o Saci Pererê, endiabrado moleque de uma perna só que gosta de fazer travessuras como qualquer criança brincando de “doces ou travessuras”. Temos o Curupira, com seus pés virados, que protege a floresta e assusta caçadores, lembrando-nos do respeito pela natureza. A Mula Sem Cabeça, a mulher encantada que vira um cavalo em chamas nas noites de lua cheia, e o Bicho Papão, que povoa os medos de dormir das crianças, assim como o “boogeyman” americano.
Cada uma dessas lendas vem de uma tradição, de um povo que trouxe suas crenças para o nosso caldeirão cultural. Assim como o Halloween é herança dos celtas, o Saci Pererê veio com os africanos, o Curupira, dos indígenas, e o Bicho Papão, dos colonizadores europeus. Nossa cultura é feita desses encontros e sincretismos, e o Halloween é só mais um dos que chegaram para somar, oferecendo um convite para festejar o mistério e a fantasia.
E se o Halloween é pagão, o Natal, que celebramos com grande fervor, também carrega elementos muito antigos. A própria árvore de Natal, as guirlandas e as luzes são tradições de inverno nórdico, adaptadas para o mundo cristão. O espírito de festa está mais presente do que qualquer crítica.
Talvez, o incômodo com o Halloween seja porque ele é diferente, estrangeiro. Mas a verdade é que, em nosso país, a força de nossas lendas se sustenta. Afinal, quem não tem uma história de Saci na família? Quem nunca ouviu a avó falando do Bicho Papão? E é justamente porque nossa cultura é viva que ela permite esses encontros. O Halloween não substitui o Saci, só abre espaço para que ele dance, sapeca, ao lado das bruxas e dos fantasmas.
Então, por que se preocupar tanto com uma festa, se podemos aproveitar mais uma oportunidade de contar histórias ao redor da fogueira? Mais um pretexto para criar lembranças nas crianças e reacender a fantasia nos adultos. O Halloween é uma festa, assim como as outras. E, no fundo, o mais importante é que celebremos aquilo que une todos esses mitos: o prazer de se deixar levar pelo encantamento do mistério, seja ele representado por uma abóbora iluminada ou pelo gorro vermelho do Saci Pererê.