Pobre de Direita - iniciando a conversa
Hoje em dia no Brasil, é razoavelmente comum o uso da expressão pobre de direita. Ela é usada de modo amplo e na maioria das vezes seu conteúdo é de crítica. No mínimo é para se preocupar quando alguém afirmar sobre você ser um pobre de direita e parte do ‘gado’.
Na expressão ‘Pobre de direita’ as duas palavras, isto é: ‘pobre’ e ‘direita’ são complementares, mas não idênticas. A depender das escolhas e correntes de pensamento ‘pobre’ e ‘direita’ podem efetivamente estar em campos opostos, até mesmo antagônicos.
Nesta reflexão dividida em duas partes, na primeira vamos pensar/refletir sobre a figura do pobre.
Quem é o ‘pobre’?
Não é uma questão retórica e de menor importância. É sem dúvida uma pessoa ou grupo com poucos recursos econômicos e, que a duras penas sobrevive acima da linha da miséria. Lembre-se o miserável sequer tem renda e muitas vezes nem mesmo moradia definida. O pobre é alguém que dispõe de algum dinheiro para pagar contas: água, luz, telefone, aluguel, prestações etc. Tem endereço (CEP), documentos (RG, CPF, Título de Eleitor...) e acesso a boa parte das políticas públicas de saúde, segurança e educação. Contudo, o pobre, de fato, é um lascado; mas no mundo dos desdentados (os miseráveis) ele consegue até pagar parceladamente um implante dentário.
O pobre compartilha dos sonhos de consumo vendidos na Televisão (o Bau da Felicidade, o Domingão...e no passado o programa do Chacrinha etc) e nas Redes Sociais. Assim, ele se imagina – e em algumas ocasiões realizando – viagens, frequentando shoppings, restaurantes, comprando um carro (em dezenas de parcelas) etc. Sua alegria está em não ser um dos miseráveis, e sua frustração é estar longe, muito longe dos privilegiados.
Esqueci de mencionar...o pobre em sua maioria tem celular e alguns ostentam um AIIPHONE. Mesmo que isso lhe custe não terminar o reboco de sua casa ou outras melhorias em seu lar.
Sem dúvida no mundo do pobre ‘ainda’ existe muita religião. Nas periferias tudo começa com um ponto de pregação ou outra forma de se fazer a missão evangelizadora. Quem nunca recebeu na porta de sua casa duplas ou pequenos grupos de pentecostais anunciando o seu produto. Desculpe...afirmando que só existe uma forma de salvação e, portanto, acesso ao céu...tudo começa com participar da igreja. Daquela igreja!
Historicamente no Brasil os pobres faziam parte do catolicismo popular, isso é, aquele conjunto de práticas religiosas pouco afeitas ao que o Vaticano mandava ou exigia, mas que existia mesmo quando não havia padre ou paróquia constituída. O Zé do Burro (da peça teatral e do filme o Pagador de promessas) é um bom exemplo disso. Não é de hoje que o catolicismo vem perdendo fieis e, isso é evidente em meio aos mais pobres.
Nas periferias é mais fácil encontrar bares e estas ‘novas’ igrejas, do que achar padarias ou farmácias. A violência está escancarada nas bocas de fumo e na morte que invade os barracos na forma de uma ‘bala perdida’, na briga de gangs e da milícia por território e outras formas de crime organizado.
É difícil para a maioria dos pobres lidar com temas como racismo, machismo, gênero e sexualidade, além é claro da questão política e a luta de classes. A pobreza, lhes parece, atingir de modo igual a todos que estão próximos e, o discurso de cotas raciais (para concursos e acesso à universidade) e outras lutas – parte da agenda da defesa dos direitos humanos – lhe é no mínimo estranho e distante. Sequer refletem sobre o fato de que milhares de encarcerados nos presídios, foram em sua maioria moradores da periferia e são negros e pardos. Alias, até mesmo a polícia que espanca e mata é também composta em sua maioria por negros e pardos...que se acreditam do ‘bem’.
Uma síntese feita pelo pe. Comblin me parece interessante é adequada para nossa reflexão: “Os pobres não são simplesmente os que não têm, mas os que são impedidos de ter e de ser. Os pobres são os que não têm possibilidades de realização como seres humanos, os humilhados, os reduzidos à impotência, condenados a mendigar. Os pobres são os rejeitados da condição humana, os ‘condenados da terra’, os rejeitados da sociedade, os marginalizados.”
Contudo, é também no mundo dos pobres que existe o mutirão. Sabe, quando a turma de junta nas periferias para ‘bater uma laje’, ajudar parentes e vizinhos a terminar um cômodo ou mesmo ou pequena reforma na casa. No que resta de agricultura familiar o mutirão aparece nas várias etapas do plantio até a colheita, nas ações promovidas pela igreja local, no auxilio a quem tem fome ou outra emergência.
Entre os pobres apesar do sofrimento e da precariedade nunca faltou musicalidade, dança e momentos de festa. Mesmo ‘queimar uma carne’ nunca deixou de existir nos churrascos que acompanhando o futebol na TV aberta ou outro programa dominical, seguem ‘religiosamente’ ocorrendo.
O pe. Comblin olhando para a Bíblia vê no mundo dos pobres utopias...possibilidades. Concordando com ele, podemos afirmar que: “o que vale na luta é também a fraternidade da resistência, a solidariedade nas derrotas e nas provações, a fé em Deus, a confiança no futuro, a vivência de cada dia. O que vale é essa vitória permanente sobre a covardia, a paciência nos sofrimentos, o heroísmo dos mártires, a fidelidade dos sobreviventes, toda a continuidade da história. Os pobres são o povo que vive a plenitude da história dia após dia.”
Enfim, conscientes de que o ‘mundo dos pobres’ carrega inúmeras contradições, mas também esperanças, é que olhamos nossa realidade. Nas escolhas e atitudes dos pobres constatamos que, algumas delas refletem o coletivo da maioria da população brasileira, outras reproduzem o individualismo dominante e o que de pior habita a desigualdade e a intolerância para com o diferente. Seguimos em frente...
Na segunda parte vamos pensar no que é a ideia ou conceito de direita e esquerda no Brasil. Considerando, então, a expressão pobre de direita em seu significado atual.
*** COMBLIN, J. “Os pobres como sujeito da história” in RIBLA – Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana nº 3, 1989, p. 36-48. A parte citada encontra-se na p. 38.