Reflexões ao Som do Grunge Em Um Dia Chuvoso no Distrito Federal

Mais um dia nublado e chuvoso no Distrito Federal. É hora de me organizar e ir para o Hospital de Base para cuidar da saúde do meu pai. O tempo por aqui parece com o da cidade norte-americana de Seattle, berço do movimento cultural chamado grunge. Um movimento de jovens desencantados com a sociedade, que rejeitavam as tradições da indústria cultural e faziam isso através da música, cantando sobre a alienação, a apatia e a frustração vividas na sociedade dos anos 90.

Pensando nisso, nesse clima chuvoso, resolvi ouvir, enquanto me dirijo para o local, uma banda que gosto muito chamada Temple Of the Dog, uma das maiores representantes do grunge. Formada pelo talentosíssimo Chris Cornell, meu vocalista predileto no rock, a banda homenageia um amigo que morreu por overdose de heroína. Esse cantor e os outros membros da banda escreveram letras profundas e emotivas, que de forma melancólica abordam temas como perda, dor, mas também esperança.

Me deslocando para onde eu precisava ir, ouço a canção “Times of Trouble”, que de forma intensa descreve a sensação de enfrentar tempos difíceis e encontrar força para seguir em frente. Usando muitas metáforas, fala sobre lutar e ter força diante das adversidades. Pensando nos cuidados que tenho que ter com meu pai em relação à sua saúde, o motivo que me faz me deslocar nesta manhã, essa música me cai muito bem.

Chegando na Ponte JK, toca a canção “Reach Down”, na qual o líder da banda homenageia o amigo falecido Andrew Wood, falando sobre perda e sobre a forma de buscar consolo na morte de pessoas queridas. De forma emocionante, ela expressa uma tristeza e saudade de alguém muito próximo. Ao ouvir essa música, as memórias me embalam e lembro da minha saudosa avó, uma pessoa fundamental na minha vida, que há anos perdi de forma física, mas que eternamente se faz presente em minhas memórias.

Isso foi seguido também da canção “Pushing Forward Back”, que fala sobre seguir em frente apesar das adversidades, de ter força de vontade. Diante das dificuldades vividas no momento, isso gera uma reflexão sobre a necessidade de ir adiante. Ela sugere um contínuo movimento de avanço e retrocesso na a luta interna de uma pessoa encontrar significado em seu caminho trilhado, o tentar ir adiante na existência, mas se deparando com as intempéries, as incômodas pedras no caminho.

Passando perto da rodoviária do Plano Piloto, o inferno de Dante, o formigueiro de tantas pessoas que passam todos os dias para irem trabalhar, ouço a canção “Hunger Strike”, na qual se fala sobre a desigualdade e a luta por ganância. Ao ver aquelas pessoas que levantam cedo, pegam ônibus lotado, correm como malucos para trabalharem e receberem seus míseros salários, essa faixa musical me faz refletir sobre como vivemos numa cidade e sistema econômico tão desiguais, onde os habitantes, em sua maioria, morrem de trabalhar, perdem a grande parte do seu tempo se deslocando e trabalhando, e não têm tempo para viver de forma prazerosa.

Depois, já na W3 Sul, passo perto de uma igreja católica de bela arquitetura chamada Santuário Dom Bosco e eu ouço a canção “Wooden Jesus”. O seu contexto lírico fala da comercialização da religião, a hipocrisia associada a ela. Dessa forma, lembro dos bolsonaristas, que tanto enfatizam o cristianismo, os sublimes valores morais, mas que são verdadeiros hipócritas, pois são armamentistas, apoiam políticas elitistas e têm ódio aos pobres. Quando têm oportunidade, desferem ofensas aos humildes em geral e, em especial, aos moradores de rua, acusando-os de vagabundos, às vezes os agredindo, o que distorce o ensinamento de Cristo, que é amar ao próximo e cuidar dos necessitados.

E como esse grupo político está ligado aos charlatões pastores neopentecostais, que como na canção, a qual descreve um Cristo de madeira comprado com um cheque, mercantilizam a fé das massas num rígido controle de corações e mentes. Um crime legitimado na ideia de liberdade de expressão que alienam centenas de pessoas na combinação de fascismo bolsonarista e teologia da prosperidade.

Chego ao hospital, fico no seu jardim e me preparo para meu afazer. Mas as canções do Temple of the Dog permanecem na cabeça, marcadas por profundidade e honestidade, abordando temas universais de maneira pessoal e poética. A banda conseguiu capturar emoções em suas músicas de forma atemporal e que fizeram muito sentido a mim enquanto ouvia. Vivi uma espécie de musicoterapia, a qual ofereceu um meio criativo para a expressão de emoções e refletir sobre elas.

26.10.2024

Dennis de Oliveira Santos
Enviado por Dennis de Oliveira Santos em 27/10/2024
Reeditado em 27/10/2024
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