Quem Ficou na Estrada
Sempre me disseram que a vida era uma caminhada. Que eu deveria seguir em frente, deixando para trás as pedras, as flores e as memórias que não cabiam mais no bolso.
Ensinaram-me que, em algum momento, é preciso escolher: ou avançamos ou ficamos presos ao que fomos. E assim fiz. Caminhei, deixei para trás a criança que um dia fui, acreditando que o caminho à frente me traria algo maior, mais pleno, mais real.
Mas, ao longo dessa jornada, percebi que o futuro nunca chega como imaginamos. No princípio, avançamos com passos firmes, com os olhos brilhando de expectativa. Depois, as coisas começam a perder um pouco do brilho. Cada conquista parece um pouco menos grandiosa do que o sonho que a precedia. Cada vitória, menos saborosa. E então, num dia qualquer, você se pega olhando para trás. Não com saudade, mas com uma necessidade urgente de se reencontrar.
A criança que fui? Ela está lá, parada na beira da estrada, olhando para mim com um sorriso leve. Não tem a menor pressa de seguir. Talvez saiba que, no fundo, não é o caminho que importa, mas a maneira como o percorremos. Eu a vejo, de longe, com seus olhos grandes e curiosos, cheia de sonhos que ainda não se mancharam com a realidade. Lá está ela, intacta, livre do peso que fui acumulando ao longo dos anos.
O que ficou no caminho não é uma versão menor de mim, mas talvez a parte mais autêntica. Que acreditava que o mundo era um lugar cheio de possibilidades. Hoje, carregado de responsabilidades e expectativas alheias, sinto que me afastei demais.
Por que somos ensinados a deixar para trás quem fomos? Quem disse que o adulto precisa ser uma negação da criança? A verdade é que, com o tempo, esquecemos de dialogar com quem um dia fomos, com aquele que ainda habita em nós, mas que deixamos abandonado à margem da estrada, como um velho brinquedo.
E agora, ao perceber que o que sou se dilui em compromissos e cobranças, me pergunto se valeu a pena. Se o caminho trilhado sem a companhia da minha versão mais pura não foi, de alguma forma, mais vazio. Talvez o segredo esteja em voltar. Não para regressar ao que era, mas para resgatar a essência, o brilho que a criança carregava. Porque, no fundo, somos sempre um misto do que fomos e do que aspiramos ser.
Quero buscar quem fui, não porque estou perdido, mas porque sei que lá, onde a criança ficou, existe algo que me falta hoje: a simplicidade de ser. Quem sabe ao trazê-la de volta para a caminhada, o que sou agora ganhe um novo sentido, uma leveza que há muito foi perdida entre as pedras da estrada.
No final, a criança que fomos não ficou para trás por acaso. Ela está lá, nos esperando, pronta para nos lembrar que ser adulto não é uma renúncia total daquilo que nos fez sonhar um dia.