Fila de supermercado

Geralmente não gosto de filas. Mas há exceções. Por exemplo: fila de supermercado. Gosto muito, principalmente aos sábados, principalmente quando não estou com pressa, especificamente pela manhã, de estar nas filas mais concorridas, as indianas, e os óculos escorregando pelo nariz, as mãos ocupadas, segurando muitas coisas, pedir a gentileza ao próximo da fila de, por gentileza, endireitar meus óculos. Até hoje, das 10 solicitações que contabilizei, houve apenas duas recusas. A primeira foi a de uma senhora aparentemente pouco pragmática, que me negou o favor, alegando que também estava com as mãos muito ocupadas.

Realmente estavam. Até hoje eu me surpreendo com a quantidade de produtos que a mulher segurava nas mãos: cinco pacotes de café, três de açúcar, dois de feijão, uma bandeja de ovos, duas garrafas de óleo Soya, sabonete, creme dental, desodorante, papel higiênico e shampoo, abarcados por apenas duas mãos. A cena me assustou bastante: por que seria que não utilizava os práticos carrinhos de compras para transportar as mercadorias até o caixa? Por que preferíamos levar todo o supermercado nas mãos?

Surpreendi-me negativamente ao perceber que a recusa da senhora em repor meus óculos ao pedestal do nariz estava plenamente justificada, e tive um pensamento pessimista: será que aquela senhora também tem a ocasião como experimento social?

A resposta provavelmente nunca vou saber, pois não cheguei a rever a personagem fascinante em fila alguma de supermercado, senão em minha imaginação, o que de certo modo, para mim, torna a sua recusa menos recusável. Está plenamente perdoada, portanto.

Hoje, diante da segunda recusa, a ideia que me toma é a de que talvez eu deva ser mais pragmático e romantizá-las menos. Passar a enxergá-las como enxergo o trânsito de carros, sempre imprevisível, sempre caótico, e não como um lugar apreciável para gastarmos tempo.

Kant provavelmente discordaria, ao argumentar que filas de supermercado são uma prova de que o tempo é uma construção da mente humana — e as filas têm o poder de esticá-lo ao infinito.

De certo modo, acredito que o filósofo tenha certa razão. Realmente, nas filas de supermercado os segundos parecem valer o dobro, os bocejos são mais longos, as conversas mais demoradas, o som irritante da máquina registradora parece menos irritante, parece nos insinuar que a eternidade chegou — mas de um jeito particularmente menos tedioso. Parece, efetivamente, que filas de supermercado englobam o conceito primeiro e talvez Kantiano de tempo subjetivo.

Contudo, acredito que esse era o conceito de antigamente, da era de kant, em que não havia trânsito de carros e quase tudo de importante em nossa vida cabia em nossas mãos. Hoje, com o advento da IA, e as filas cheias de carrinhos expressos, e as pessoas distantes, em seus mundos virtuais, tudo parece convergir para o fim da fila. Isto é, não há quase ninguém por perto e com as mãos desocupadas, dispostas a endireitar nossos óculos.

Damião Caetano da Silva
Enviado por Damião Caetano da Silva em 13/10/2024
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