A criança e a sua Gemütlichkeit

 

          O que significa o Dia da Criança para ela? Talvez seja o dia sem escola, as horas quando muito falarão dela ou aquele dia em que receberá algum presente. Até nesse sentido a desprotegida ou a de pais sem poder aquisitivo receba brinquedo usado das crianças que já  abusaram deles. Tem sido comemorado anualmente, mas mesmo a criança já crescida, quase pré-adolescente, vivencie, mas não saiba a definição própria da sua Gemütlichkeit. Sim, em alemão, porque tal palavra concentra os estados de anima infantil, dos quais resulta sua feliz intimidade.
           Assim são as palavras conceituais em alemão, aglutinativas, exatas e substanciais, seja na Filosofia, Sociologia, nas Ciências da Educação, na Psicologia ou sobretudo na Psicanálise, quando psicanalistas de renome escrevem ou conferenciam. Gemütlichkeit exprime a magia da nossa infância e sobretudo e necessariamente no mundo conturbado de hoje, que atinge o espaço interior e exterior da criança, de bem dentro de si, como se ela se sentisse em casa, na segurança da mãe ou do pai. É uma intimidade construída pela própria criança, como numa pequena casa de brinquedo; num reservado canto da casa; num arbusto do jardim, desde que ela se sinta escondida, num espaço mais íntimo possível. Não é por menos que as crianças se escondem nos guarda-roupas, onde, indiferentes ao calor ou ao escuro, passam momentos agradáveis... Dia da Criança, sem Gemütlichkeit, é desagradável.
          Gemütlichkeit satisfaz a simples necessidade de aconchego, de conforto, que a criança sente em qualquer ocasião, sobretudo quando está em família ou estranha estar nos braços de pessoas que não conhece... É também sinônimo de comodidade e de feliz intimidade, coisas ou ânimo da mente e do coração. Relaxamento e descontração, especialmente na natureza, à beira-mar, na areia da praia, à vontade, cavando uma pequena cacimba, enchendo-a de água como se construísse uma obra para sua prazerosa diversão, ao olhar, perto de si, aonde as ondas vêm e logo retornam ao mar. Antes do mar, em Pilar, para mim, no rio, onde houve um passado de comodidade e aconchego, nas cacimbas com piabas e pitus. Descontração ou, na natureza, o relaxamento. 
         No Dia da Criança pode se manifestar a magia que houve na nossa infância ou tempos de comodidade e de aconchego. Caros leitores, fomos crianças, distantes de hoje, momentos eternos. Vieram a juventude, a maturidade, na vida adulta e idosa, que nos levam desde o início dos tempos de criança. Menino ou menina não se separa de nós; e num sentimento maior, nos conduz. As lembranças de criança são marcadas por uma força mágica ou pela energia que havia nas nossas imaginações. Somos o resultado desses tempos: infância infeliz gera vida adulta ou velhice sem conforto, sem aconchego e sem feliz convivência.
         Se nos nossos tempos de criança existiram esses brinquedos mágicos, nossas juventudes, certamente, encheram-se de sonhos e fantasias, do que resultou felizes e cômodas realizações. Mundo mágico que se desfaz, mas nunca os efeitos ou consequências das suas magias. A criança que fomos não morre nunca, ela nos acompanhará pelo resto da vida. Quem não teve afeto, aconchego, feliz e agradável intimidade, reflita, nesse Dia da Criança, como ser melhor nos seus dias de adulto. Compreendendo o que se lê em Molière: Ah! Il n’y a plus d’enfants (Ah!  Não há mais crianças!), existem, sim, crianças, em nós ou em bem perto de nós...