A Fé que Vem com a Aurora
O dia ainda nem havia amanhecido por completo quando os primeiros passos dos romeiros começaram a ecoar pelas ruas de Canindé. O ar, fresco e suave, trazia consigo a promessa de um novo dia, mas havia algo mais no vento: a esperança e a fé, que chegavam de mãos dadas com os devotos que vinham de longe. Cada um com seus próprios fardos, suas dores e suas preces, mas todos guiados por um só nome: São Francisco das Chagas.
A aurora sorria para a cidade, iluminando aos poucos as paredes da Basílica. Era como se o céu quisesse ser cúmplice daquela festa que se desenrolava no coração do Sertão Central. O sino tocava, chamando a todos, e cada badalada parecia ecoar dentro do peito dos fiéis, fazendo vibrar um sentimento que não se pode descrever, apenas sentir.
Naquela manhã de 24 de setembro, o coração de Canindé batia ao ritmo da fé. O estandarte de São Francisco subia lentamente, como se quisesse tocar o céu. Sob os acordes de "Raia Aurora", os olhos dos devotos brilhavam, refletindo não só a luz do sol nascente, mas também a chama de uma devoção que atravessa gerações.
Ali, de pé no patamar da Basílica, observando a multidão de romeiros que se ajuntava, eu via não apenas pessoas, mas histórias. Histórias de luta, de superação, de agradecimento. Cada olhar voltado para o estandarte carregava consigo uma oração silenciosa, uma súplica por dias melhores, uma gratidão por graças alcançadas. Eram homens e mulheres que, como Francisco, sabiam o que é carregar as chagas da vida, mas também sabiam que é na simplicidade da fé que se encontra a verdadeira felicidade.
Recordei-me das palavras do Evangelho, que Frei Gilmar tão sabiamente havia mencionado: “É isso que eu quero, que eu procuro de todo o coração”. Francisco ouviu o chamado e, sem hesitar, seguiu os passos de Cristo, entregando-se por completo ao caminho da paz e do amor fraterno. Naquele instante, senti que, de alguma forma, todos nós ali estávamos fazendo o mesmo. A escuta silenciosa do coração nos guiava para além dos limites da nossa própria compreensão.
A primeira missa do dia foi uma celebração não apenas de palavras, mas de gestos. O levantar das mãos em oração, o dobrar dos joelhos em reverência, o olhar fixo na imagem de São Francisco, ali, ornada com flores, parecia unir o céu e a terra em um só espaço. E quando os fiéis se dirigiram ao altar mor, onde a imagem de São Francisco descansava, entendi que aquela devoção não era só sobre pedir ou agradecer. Era sobre reconhecer a fragilidade humana e, ainda assim, encontrar força na fé.
Vi crianças carregadas no colo de suas mães, idosos amparados por filhos e netos, jovens de olhar determinado. Todos ali para buscar algo maior do que eles mesmos. Para sentir o toque da graça de São Francisco. E ali, no meio daquela multidão silenciosa, percebi que Francisco não era apenas um santo distante, mas alguém que caminhava ao nosso lado, compartilhando de nossas dores e nos ajudando a carregá-las com o mesmo amor com que carregou as suas.
Ao final do dia, a procissão com o Painel de São Francisco encheu as ruas de luz e cânticos. O som dos passos firmes no chão de pedra da cidade misturava-se ao som das vozes que cantavam, e por um momento, parecia que toda a cidade pulsava junto com a fé de cada devoto. O caminho da procissão não era apenas uma rota física pelas ruas de Canindé, mas um percurso interior que cada um de nós fazia em direção à sua própria espiritualidade.
Naquele momento, compreendi que as chagas que carregamos, assim como as de Francisco, não são sinal de fraqueza, mas de vida. São marcas de uma fé que resiste ao tempo, que se renova a cada aurora e que, tal como a bandeira de São Francisco, sempre será erguida ao céu, buscando o amor, a paz e a simplicidade.
E assim, enquanto o dia se despedia em tons dourados e alaranjados, uma certeza tomava conta do meu coração: a fé que nasce com a aurora é a mesma que nos guia ao longo de toda a nossa jornada. São Francisco das Chagas, como sempre, caminhava entre nós, iluminando o caminho com a luz da sua vida e do seu exemplo.