A Saudade que Compartilhamos

Meu avô diz que sente saudade dos velhos dias, e eu também.

Ele diz que sente falta de viver a ingenuidade juvenil por meio do pega-pega e do esconde-esconde junto de seus irmãos. Eu sinto saudade do silêncio da madrugada em que jogávamos sem parar e não nos importávamos com o dia seguinte.

Dos irmãos, meu avô sente falta dos que já se foram, e eu também. O mais bravo e experiente ousava esconder-se nos pontos mais altos das árvores, sempre tentando alcançar algo mais. Esse foi embora por causa de um câncer. O meu mais bravo e experiente chegava de madrugada para me abraçar e perguntar como havia sido o dia, sempre afirmando que estava muito cansado, e logo caminhava a passos largos até a cama. Esse se foi para casar, construir a vida em outra cidade.

O segundo irmão, o mais astuto e perspicaz, percebia que, se se escondesse atrás da cerca vizinha, atrás dos arbustos de ixora, não seria visto pelo menor. Esse se foi em um acidente, que meu avô sempre lembrava. Já o meu mais astuto acordava para pegar uma água, afirmava que tinha que acordar cedo para estudar e que eu deveria desistir de jogar, pois qualidade me faltava. Esse foi embora para o velho mundo, buscar oportunidades.

Sobramos nós, os mais novos, ainda que a idade discordasse. Ficamos aqui, num momento parado, possuindo a mazelar de relembrar.

Meu avô diz que sente saudade de minha avó, e eu também. Ele diz que sente saudade de abraçá-la enquanto o cheiro do alho dourando na panela e o vapor quente do feijão em cozimento enchia a casa de um conforto que só ela sabia proporcionar. Já eu sinto saudade quando a Lia me dizia que podíamos pedir alguma coisa e ver uma série nova que todos estavam comentando, enquanto se decidia se deveríamos optar pelo italiano ou pelo japonês. As duas nos deixaram, mas suas marcas em nossos corações parecem perdurar.

Meu avô diz que sente saudade de sentir, e eu também.

De sentir que o amanhã virá e, com ele, haverá esperança, haverá um motivo e algo para se fazer presente. Já eu sinto saudade de sonhar com um futuro, de conquistar grandes coisas que não vieram, e de saber que, amanhã, tudo estará bem.

Os tempos mudam, mas nós continuamos aqui, sentindo saudade dos mesmos irmãos, amores e sentimentos.

Meu avô diz que sente saudade de mim, e eu também.