A crônica de um fracassado
Já dizia o poeta: "A vida é uma merda!". Você pode estar se perguntando qual poeta disse isso. Eu lhe responderei peremptoriamente que absolutamente todos. Não de uma forma tão chula como a minha, mas a essência continua a mesma.
Escrever é um dom ou um talento? Eu creio em habilidades inatas, mas todas as habilidades precisam ser lapidadas, afinal, ninguém nasce escrevendo, assim como ninguém nasce andando, falando ou amaldiçoando a própria existência. Toda escrita é um grito agonizante da alma - exceto, talvez, a técnica e acadêmica, que servem a fins específicos. Seja a formação universitária, uma contribuição científica ou a resolução de um problema desafiador. A escrita visceral, aquela que exprime a agonia da alma, nasce nas noites escuras e frias ou no calor de um dia conturbado no deserto urbano da indiferença.
Minha irrelevância tem sido um fardo tão grande que decidi compartilhar na forma de palavras escritas o que não tive oportunidade ou mesmo coragem de bradar em alto e bom som: Eu sou um fracassado!
Quero começar de novo.
Eu sou um fracassado! Mas quem não é? Quem nunca teve que se jogar dos cumes da angústia e do desespero pelo menos uma vez na vida após confrontar-se com suas próprias misérias?
Quem nunca precisou sublimar seus próprios desejos ante à impossibilidade de não realizá-los?
Eu sei que em um mundo onde as pessoas arrotam otimismo o tempo todo, alimentam expectativas irreais e creem no poder infantil da autossuficiência, assumir o próprio fracasso e conseguir diagnosticar o fracasso sistêmico, soa como uma blasfêmia.
Todo fracassado é um iconoclasta. Nossa missão é destruir ídolos e certezas. Nosso prazer é levar o petulante a reconhecer que todos os signos de seus absolutos, sejam eles de ordem filosófica, religiosa ou moral, não passam de grandes castelos de areia que desmoronam com o menor sopro da realidade, ou talvez pelo chute devastador de uma criança birrenta ou o rolar distraído de um cachorro na praia.
Nós, os fracassados, somos essas crianças e esses cachorros. Você também é. O prazer das pessoas é derrubar os castelos de areia uns dos outros. De forma civilizada, é claro! E não adianta me olhar com essa cara de desdém porque eu sei muito bem que essa iconoclastia essencial que habita em você não é meramente patológica, é uma condição e você jamais conseguirá se livrar dela.
Talvez você diga: "Não venha me rebaixar ao seu nível, não me nivele por baixo como você. Ninguém é obrigado a tolerar suas palavras destrutivas só porque descobriu que a vida não é sua serva."
É exatamente aqui que temos um ponto em comum. Por trás desses sorrisos, dessas fotos de viagens, das taças de champanhe, das canções que enaltecem a vida, o amor, a riqueza e as delícias, existe um ser miserável que corre de um lado para o outro em busca de sabe-se lá o quê. Por trás dessa máscara de otimismo e resiliência, existe um miserável que quer controlar todos os aspectos da existência e pensa que pode moldar o mundo ao seu redor. Um pequeno ser que planeja cada passo, roteiriza cada expressão, sejam verbais ou não-verbais, embriagado nas próprias loucuras que já não consegue distinguir o ser do ter. É tudo um grande engano e você sabe muito bem disso.
E quando a vida resolve apresentar toda sua hostilidade, você permanece tentando e tentando e jura que está em um constante aprendizado e crescimento, porém, tudo não passa de uma introjeção de autoengano a qual você chama de maturidade e trilhas espinhosas para o sucesso.
Enquanto eu, rotulado como um autocomiserativo inveterado, apenas reconheço minhas incapacidades e reconheço minhas inaptidões naturais de fingir ser quem eu não sou. E eu não sou forte. Tampouco resiliente ou otimista. Não consigo encontrar cores e aromas suaves em um esgoto escuro. Eu sou um fracassado! Mas no fundo, você também é.