Regresso em glória
Avançava a luminosidade para Ocidente, e imediatamente, atrás o astro-rei fazia a sua aparição, naquela manhã radiosa de Primavera. Ao longe via-se o mar, espraiando-se suavemente na praia dourada, na qual cintilavam gotinhas de orvalho.
Na pequena aldeia a azáfama era já muito grande: trabalhadores que fazendo-se transportar em bicicletas e motorizadas, deslocavam-se para os seus locais de trabalho, enquanto outros caminhavam a pé pela berma da estrada; lavradores com ferramentas e máquinas, adubos e farnéis, dirigiam-se para os campos onde as lavradas se iniciavam com arados e tratores; para o posto de recolha de leite, seguiam as mulheres com a bilha à cabeça, ou na mão, contendo o precioso líquido, fresco e quente, extraído dos animais que todos os agricultores, de uma maneira geral, criam para apoio à agricultura.
Na praia, indiferente a todo este movimento matinal, a jovem Manuela continuava sentada, parecendo meditar profundamente, percorrendo o horizonte com a vista, como que procurando algo de invisível, no espaço ou no mar. Ao seu lado tinha um livro aberto e um binóculo. Ela rezava pelo regresso do seu namorado, pescador, o jovem Paulo.
De vez em quando, murmurava algumas palavras, pegava no livro para depois voltar a pousá-lo na areia. O oceano continuava calmo. Pescadores partiam para a faina da pesca, em barcos típicos da região: uns, impulsionados a motor; outros, movidos a remos.
Junto ao cais, e um pouco para Sul do local onde a jovem estava, transitavam patrulhas das Autoridades, munidas de autorrádios, perscrutando, também eles, o horizonte. Alguns populares interrogavam-se, mimicamente, semblantes inexpressivos, olhos postos na longitude do mar e na imensidão do espaço, afastando-se, depois, para as suas lides, ficando outros no local esperando sem saberem o quê.
A jovem continuava preocupada, embora tranquila. O sol brilhava, agora com maior esplendor, e a temperatura elevava-se gradualmente sem, contudo, incomodar, até porque uma leve brisa de Noroeste já se fazia sentir. Estava-se na alta Primavera, já quase a entrar no Verão e de facto, aquele mês de junho decorria, climatericamente, de acordo com a normalidade previsional dos respetivos serviços técnicos de meteorologia.
Pelas nove horas outros populares chegaram ao local, cada um procurando averiguar o que se estaria a passar. Os agentes da autoridade mantinham-se atentos, de vez em quando, estabeleciam comunicações via rádio, provavelmente com outras patrulhas, ou com os respetivos superiores.
Decorrido algum tempo, compareceu na praia uma equipa da radiotelevisão, transportando máquinas de filmar, microfones, gravadores e todo um conjunto de equipamentos eletrónicos. Passava já das dez horas quando ao longe, na linha do horizonte, se viu uma mancha branca, ligeiramente acima da água, que se movia no sentido norte-sul, lentamente, mais parecendo um barco à vela em tempo de calmaria. Logo se gerou algum alvoroço.
A jovem levantou-se e, pegando no binóculo, assestou-o naquela direção para, de seguida, dar uma exclamação de desânimo e proferir, quase em surdina: “É uma nuvem”. De facto, a mancha branca elevava-se lentamente da linha de água, e deslocava-se no sentido anteriormente referido, norte-sul.
Tudo voltou à expectativa inicial, com a única diferença de que aquela jovem, vestida de negro, cabelo atado e semblante triste, não mais se voltou a sentar na areia seca e brilhante daquela praia minhota, de uma recôndita aldeia portuguesa.
A fase da maré enchente desenvolvia-se regularmente, o vento soprava com um pouco mais de força, o mar, de pequena vaga, estava ligeiramente encrespado. À praia continuavam a chegar mais pessoas e, do cais situado a sul, uma lancha da Marinha zarpou rumo ao Ocidente.
Outras embarcações de pequeno calado seguiram aquela, navegando a motor e mantendo uma distância razoável. No horizonte alguém viu várias silhuetas, movendo-se na água, no sentido de terra. Mais algum tempo e as silhuetas tornaram-se mais nítidas, até se configurarem com a forma de três pequenas embarcações, movidas a remos.
A jovem correu, então, para a beirada da água. As autoridades que patrulhavam a área aproximaram-se também e, simultaneamente, davam, ordens aos populares para deixarem livres alguns espaços que, imediatamente, delimitaram e sinalizaram. Apenas os operadores de televisão foram autorizados a aproximarem-se da água, com os respetivos equipamentos que logo colocaram em pontos estratégicos, provavelmente para melhor captarem as imagens que, indubitavelmente, lhes interessavam gravar.
Neste preciso momento surgiu na praia, e rapidamente se deslocou para a área reservada e controlada pelas autoridades, uma pessoa, envergando o hábito de padre que se fazia acompanhar por uma outra, que transportava uma caldeirinha com água benzida e que, dirigindo-se à jovem, lhe dedicou palavras de coragem, de conforto e de resignação, pelo que viesse a suceder, porque assim se cumpria a vontade do Destino.
Ela olhou-o, longamente, não conseguindo evitar uma lágrima, que pela face aveludada lhe rolou, até cair no colo. Nada disse, apenas o seu olhar foi eloquente, para não disfarçar um sentimento, apesar de tudo, de esperança.
Passava já das onze horas, quando uma outra personagem fez a sua aparição, naquele cenário tão lindo e natural: tratava-se de um indivíduo de cerca de quarenta anos, vestindo uma bata branca e transportando, na mão direita, uma pequena caixa, também branca com uma cruz vermelha pintada na tampa.
Seria um médico, ou um enfermeiro, mas quem quer que fosse, também para junto da jovem se dirigiu, perguntando-lhe se havia notícias, ao que ela respondeu que o que mais desejava era ter notícias, ainda que não fossem as melhores, pois não podia, por muito mais tempo, suportar aquele sofrimento.
A movimentação das pessoas, mais ou menos identificadas com determinadas tarefas, não parou de se fazer notar e, decorrido mais algum tempo, após a chegada daqueles que já foram referidos, verificou-se que a cerca de cem metros da praia, estacionava uma ambulância dos bombeiros municipais, do interior da qual saíram com alguma rapidez quatro soldados da paz, transportando uma maca e alguns instrumentos de primeiros socorros, dirigindo-se, também, para junto da jovem à qual perguntaram se tinha conhecimento dos últimos acontecimentos.
A donzela olhou os bombeiros com interrogativo gesto de cabeça, dizendo depois, que, tal como eles, apenas julgava saber que o desfecho de tão grande aventura estaria para breve e, apontou para o mar, indicando as três embarcações que, lentamente, se aproximavam da praia e que dentro de alguns minutos tudo ficaria resolvido.
Ainda não era meio-dia e os três barcos a remos, escoltados pela embarcação da Marinha, preparavam-se para abicarem à praia. A jovem vestida de negro, com semblante triste, entra na água, braços levantados, como que num gesto para abraçar alguém.
Neste preciso momento, ouve-se uma voz que dizia: “câmara, ação”. A jovem profere uma frase, bem alto, bem nítida: “Finalmente, chegaste”. Um dos barcos a remos navega, então, com mais velocidade direito à praia. Era tripulado por três homens, vestidos de guerreiros, dois estavam aos remos e o terceiro, levantando-se, exclama: “Para sempre meu amor”.
O tripulante do barco e a jovem envolvem-se, então, num abraço prolongado, intenso, firme e terno. Entretanto, os outros dois barcos abicam, também, na mesma praia. Os seus tripulantes exultam de alegria. As personagens, já caraterizadas, iniciam as suas atividades: o padre rezando uma oração de ação de graças, benzendo as três embarcações; o médico interroga os tripulantes sobre os seus estados de saúde, entrega alguma medicação a um ou outro, dá conselhos e acaba por retirar-se; as autoridades continuam nos seus postos, põem ordem na curiosidade do povo, evitando que este avance para além das linhas previamente definidas, para a realização das cenas.
Os restantes intervenientes, enfermeiro e bombeiros, retiram-se, concretizados que foram os seus papéis. Finalmente, a lancha da Marinha, cumprida que foi a missão, encontrando-se todos os tripulantes em terra, navega para o porto local, onde entra sem dificuldade.
Estava consumado mais um capítulo da telenovela: “Regresso em Glória”. As filmagens terminaram naquela aldeia pitoresca do Alto Minho e num dia radioso de Primavera. Outros capítulos se seguiriam, noutras localidades, noutros dias. Os dois jovens enamorados cumpriram, uma vez mais, os papéis que lhes estavam distribuídos.
As cenas dos capítulos seguintes iriam, porém, demonstrar que a vitória e a glória, por vezes, pagam-se muito caro. São as cobiças, as invejas que se instalam no seio dos detratores do sucesso. São as intrigas, os enredos que tecem toda uma teia à volta de um casal que se ama e deseja felicidade. São as lutas que esse mesmo casal terá de enfrentar e vencer para, finalmente, a história acabar como todas as histórias fechadas: “Casaram, tiveram muitos filhos e foram muito felizes”
Venade/Caminha – Portugal, 2024
Com o protesto da minha perene GRATIDÃO
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Presidente Honorário do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal
NALAP.ORG
http://nalap.org/Directoria.aspx
http://nalap.org/Artigos.aspx
https://www.facebook.com/diamantino.bartolo.1
http://diamantinobartolo.blogspot.com
diamantino.bartolo@gmail.com