O Filósofo

Ele era o maior filósofo de todos os tempos; tinha apenas um problema: não sabia falar direito. Além disso, odiava esforçar-se para explicar o que quer que fosse.

Quando Laura, a mulher mais bonita do mundo, aproximou-se para pedir-lhe um conselho, ele quase mijou nas calças, mas foi impedido pelo seu autodomínio.

- Como parar de me importar com a opinião das pessoas? – disse a donzela.

- Para diminuir o valor que se dá à opinião das pessoas, basta não ligar tanto para a sua própria. Você é um ser falho, como todos, e, sabendo disso, o que se deve fazer é buscar a verdade com a parca consciência que se tem. Somente Deus é perfeito, somente Ele sabe, de modo que o que Ele diz de fato é. Já nossa opinião alcança uma parte muito delimitada da realidade, finita, manchada por nossas limitações e perversões, sendo o que dizemos, de certo modo, sempre mentira. Por que levar-se tão a sério? Na medida de nossas falhas e ilusões, façamos sempre o bem, ou seja, ajamos em amor. A fórmula linguística que te deixo por ora é: “humildade em primeiro lugar”.

A mulher maravilhou-se do entendimento do filósofo e beijou-lhe a mão, agradecida, retirando-se em seguida.

A ansiedade do homem triplicou ao pensar na próxima pessoa a pedir um conselho, e perturbou-se grandemente com a opinião futura, sobre si, de tal pessoa. Contudo, lembrou-se do conselho que dera à mulher e considerou-se um inútil. Sentiu profunda alegria: era verdade, só Deus não era inútil.

O homem mais rico do mundo, chamado Cadeiro, veio ao seu encontro.

- Tenho medo de perder tudo e virar um mendigo – ele disse.

- Você pensa que o seu tesouro é esse, mas o seu tesouro não deve ser esse. Onde estiver o seu tesouro, aí estará o seu coração. O medo de perder tudo e virar um mendigo decorre de que, para você, o dinheiro vale alguma coisa. Por acaso não sabes que tudo isso é ilusão? Pois quando morreres, uma pessoa que não trabalhou por essa fortuna a herdará, e teu esforço, para que será? Não trabalhes, portanto, pelo tesouro que perece, mas pelo que nunca será destruído, aquilo que é eterno, como a honra e a compaixão. A fórmula que te deixo é: “todas as coisas valem mais do que o dinheiro”.

- Muito obrigado – disse Cadeiro, regozijando-se. E saiu.

O filósofo começou a sentir-se fraco, como que paralisado por uma crise de pânico. Sempre que sentia tais crises, melhorava fazendo algum ato ridículo; por exemplo, quando se achava perfeito demais, isto quase que lhe adoecia de certa maneira, e só via meio de melhorar através de um ato ridículo, digamos, que lhe redimiria pela ousadia de tentar ser bom; “afinal de contas, quem achava que era para tentar ser bom?” Deste modo, cometia alguma torpeza que o fazia pior. Agora, porém, não queria mais ser mal, embora ainda morresse de medo.

O homem mais corajoso do mundo, Isidoro, que, por ser muito corajoso, acabava sempre encarando todas as afrontas que o faziam, tinha na verdade medo de ter medo, e por isso se tornava imprudente. O último desafio era a morte. Pensava assim: “se sou realmente corajoso, por que não me mato de uma vez por todas?”

Disse o filósofo:

- O que estás fazendo é ser escravo da coragem, quando na verdade deveria colocar a coragem a serviço do bem. Você é tão corajoso que desafiaria o próprio Deus? Isso não faz sentido. Que é mais difícil, morrer, ou continuar vivendo? É preciso coragem para fazer o mais difícil, que é o certo. Quem chama o amargo, doce, e o doce, amargo, está a serviço do mal, e não passa de um tolo. Será que, quando vier a viração do dia, o homem passeará de novo com Deus? Pois esse deve ser o afã de todos sobre a face da Terra. Digo, então: “cuidado de quem você é escravo; seja escravo do que for maior; esse é Deus”.

Teve medo de que Isidoro o matasse imediatamente, mas seguiu sua consciência. Para sua surpresa, Isidoro o agradeceu, colocando-se de joelhos para beijar-lhe os pés.

- Afaste-se de mim, que sou humano igual a ti! – gritou o filósofo.

Isidoro obedeceu. E depois foi embora feliz da vida.

Esse filósofo tinha que matar um leão por dia, mas durante todos esses dias aprendia algo que o aproximava de Deus.