Tácita
Há cerca de um ano comecei a interessar-me por mitologia. Demorou, deveria ter começado a ler sobre isso há muito mais tempo, pois é mesmo fascinante. A riqueza literária, a capacidade criativa, o poder de encantamento dos mitos é uma coisa extraordinária. Fico embevecida a cada contato meu com um novo personagem. Eu não imaginava o quanto nosso vocabulário, nossos hábitos, nossa cultura está – no melhor sentido do termo – contaminada pelos mitos, sobretudo os gregos e romanos.
Palavras usuais, corriqueiras, que eu jamais imaginaria, vieram deles. Recentemente conheci a Tácita. Em nosso dizer comum, é natural que digamos algo tacitamente ou de forma não explícita, para que fique subentendido. Mas eu não conhecia a origem da palavra e soube que ela faz parte da mitologia romana.
Tácita teria sido a filha do deus do rio, Almon. Conhecida por sua beleza e sua tagarelice, teria feito uma fofoca sobre um interesse de Júpiter pela ninfa da águas, Juturna. Tácita foi contar a Juno, esposa de Júpiter de suas pretensões, olha que rolo!
Um parêntese a título de curiosidade: Na mitologia grega Júpiter é Zeus e Juno é sua esposa e irmã, Hera. Ainda não encontrei uma correspondente grega para Tácita (se você conhecer, por favor me conte qual é).
Pois bem, a fofoqueira da Tácita, ou Lara, como também pode ser conhecida, teve a língua cortada por Júpiter que ficou furioso com a confusão que ela arrumou com sua esposa. Se Hera era perigosa, porque vivia sendo traída e sempre se vingava das amantes do marido, eu não esperaria menos de Juno, sua correspondente romana. Veja bem, Mercúrio (equivalente a Hermes na mitologia grega) é encarregado de levar a bonitona muda para o submundo e se apaixona por ela no caminho, tendo com Tácita filhos gêmeos, mas isso é pano pra outra manga. Seguindo o rolê, Tácita acabou se tornando uma ninfa do submundo e cultuada pelos romanos como a deusa do silêncio e da virtude.
Considerava-se que o silêncio era tão importante quanto a eloquência e Tácita tornou-se uma protetora contra os perigos da inveja e das palavras maldosas. É aí que eu gosto de tomar um fôlego e refletir. O silêncio é importante e nos livra da inveja e da maldade. Ser fofoqueira como Tácita não é nada positivo, e o mito nos mostra isso. É bom a gente preservar o bom senso, ouvir mais, falar menos para evitar problemas.
Isso é algo que eu preciso aprender. Quando a gente expõe demais nossa vida e, sobretudo, nossa felicidade, despertamos a inveja nos outros. Eu odeio que seja assim, porque adoro saber quando as pessoas estão felizes, conquistam algo e compartilham seus feitos. Eu fico feliz de verdade pelos outros. Mas não sou hipócrita de não admitir que também já senti inveja, talvez ainda sinta algumas vezes, entretanto, isso não é algo que faz parte de mim. Ter que adquirir essa malícia de não poder escancarar a vida para o mundo é como ter a língua cortada. E é doloroso. A pobre da Tácita que o diga. Mas o silêncio ainda é a melhor proteção e a melhor virtude que podemos desenvolver.
Aprendamos com Tácita! Antes que nos cortem a língua, ou nos machuquem o coração.