O PRIMEIRO NATAL SEM ELA
Desde junho tenho procurado evitar falar sobre mim em qualquer dos espaços em que escrevo. Nem sempre consigo — a maioria das vezes não —, mas acho que o leitor já agüentou mais do que merecia de dores e lamentos, explosões de ódio e amores fugidios. Existe uma outra razão: há seis meses percorro labirintos da vida, fugindo feito louca do monstro com corpo de gente e cabeça de sofrimento que insiste em me perseguir. Fujo, mas a cada curva do rio, ele está lá, não me deixando esquecer o passado recente.
E neste período, as lembranças tornaram-se quase uma realidade. A árvore de Natal não esta montada este ano. O presépio, pela primeira vez, permanece guardado nas caixas, as luzes coloridas que não acendem. Pela primeira vez, também, me sinto órfã. Na verdade, inaugurei esta condição há 27 anos, mas só hoje, sem aqueles que propiciaram o milagre da minha criação, sinto-me assim.
Sim sou mãe. Mulher, profissional, cheia de responsabilidades. Mas há um pedaço de mim (e posso garantir que não é pequeno) que queria continuar a ser filha, a pequena Guiguinha. Queria acordar com cheiro de café, saber o cardápio de domingo somente na hora de sentar à mesa, assistir, juntas, tv de madrugada, tomar a benção na hora de dormir. De tudo, o que sinto mais falta é de tomar a benção, mesmo tendo a certeza de que sou abençoada todos os dias. Mas o “Deus te abençoe”, dito, faz uma tremenda diferença.
Especialmente nesta época, a primeira sem ela. A coisa vai ficando mais difícil, os sentimentos vão aflorando, as lágrimas descem sem querer ao ver uma vitrine bonita, ao ver um neto caminhando lado a lado com a avó. Na contabilidade natalina, falta um presente, um abraço, um beijo, um sorriso. Não há nem o debate sobre a ceia de Natal. A ceia de Natal... farofa igual, nunca mais, nem peru, nem arroz com passas. Se duvidar, nem castanha portuguesa com o mesmo sabor. Mas isso não é quase nada, se não vai haver mais suco de abacaxi, doce de mamão e de carambola de estrelinha.
Nem beijos no meio da noite, orações em família, elogios emocionados, opiniões maternas. Nunca mais chamar alguém de mãe. O primeiro Natal sem ela confirma que nunca mais nada será igual.
A vida passa tão rápido e a gente perde um tempo enorme com besteiras. Brigas, confusões, ideologias baratas, imposições para fazer valer nossa vontade, quando apenas duas realidades existem: o nascimento e a morte. Neste meio termo, apenas os amigos que, por ventura, vamos conquistando. E depois, a falta que ela faz e que nós iremos fazer um dia.
As crianças sentem falta, os adultos sentem falta, até os pássaros e as plantas também. Uma saudade que só deixa quem fez sua existência realmente valer a pena. Vai ser dureza este primeiro Natal e os próximos. Com o tempo, sei que irão chegando outras pessoas, algumas vão partindo. Tudo é parte deste mistério chamado vida, mas este ano, em especial, com certeza não vai ser igual ao que passou.