ESPÍRITO NATALINO
Ontem recebi um e-mail que falava sobre um tema o qual, em outros anos, a esta altura, já me envolvia por inteira. Uma pessoa, muito feliz, comemorava, antecipadamente, o Natal que vai chegar.
Dei-me conta, com tristeza, de que não compartilhava do sentimento de quem me escrevia, tão feliz.
O que teria me acontecido?
Sempre me senti imensamente bem, alegre e numa viagem encantada vendo as decorações das ruas, ouvindo as canções, chegando quase a dançar sozinha (confesso que cantarolava, baixinho).
Descobri-me sem a magia. A fantasia não me alimenta mais?
Percebi que, neste ano, não deixei meu sapatinho na janela.
Cadê a minha criança? Por que ela não apareceu até agora?
Procurei por tudo e a descobri, escondidinha, num canto, com muito medo. Diferente daquela que explodia de ansiedade, numa alegria sem fim a esperar pelo bondoso Papai-Noel.
Questionei-a, carinhosamente, por estar assustada, sobre o que fazia ali, em um lugar tão escuro, sozinha, enquanto aqui fora havia tanta vida e alegria? Afinal, estamos perto do Natal. Uma data que encanta principalmente aos pequeninos.
Seus olhinhos tristes foram a resposta mais clara e doída que eu poderia receber.
Esqueci-me dela... Deixei-a sozinha, enfrentando todas as coisas ruins que este mundo mostra, diariamente, sem protegê-la, acarinhá-la, levá-la para brincar.
Durante todo este ano, minha pequena menina assistiu aos terremotos, às guerras entre os homens, à pobreza e às doenças alastrando-se cada vez mais, sem que eu a tirasse da frente da televisão e dos jornais, ou mudasse de canal e lhe desse um lápis para colorir imagens tão feias.
Viu, junto comigo, partirem pessoas a quem amávamos muito e nem sequer afaguei-lhe a cabeça, mostrando que estava ali juntinho dela.
O que eu esperava de uma criança abandonada e desprotegida desse jeito? Que ela sorrisse, cantasse e dançasse, alegremente?
Todos os dias vejo crianças pelas ruas. Algumas felizes, de mãos dadas com seus pais, voltando da escola, pulando pelas calçadas, rodopiando e rindo muito, a contar-lhes, quase sem respirar entre uma palavra e outra tudo o que lhes aconteceu durante o dia. Outras, tristes, sem sorrisos, com olhares pedintes, mudas, sem ninguém que se interesse em escutá-las, carregando sozinhas sua dor.
Por que fiz isso com minha criança?
Ela é parte de mim. Como pude esquecer de alguém tão importante?
Tomei-a pela mão e, num grande abraço, tentei demonstrar o imenso amor que sinto por ela, pedindo-lhe perdão pelo abandono tão cruel.
Choramos ambas, com as mesmas lágrimas e, em seguida, sua mão entregou-me o sapatinho que já está lá na janela a esperar pelo milagre do Natal.