O HOMEM QUE ME PERGUNTOU DO NATAL...

Era um fim de tarde bem quente, desses que ocorrem no atual meado de Dezembro.

O dia havia nos queimado os miolos e, terminado o meu trabalho, resolvi caminhar pelas ruas.

A cena que avistei lá embaixo era bastante comum na dinâmica da minha caminhada, a de avistar pessoas conhecidas, cumprimentar e papear. Sempre gostei disso.

Inclusive ele, um conhecido que já não o via há um bom tempo.

E dessa vez, algo havia nitidamente mudado.

Dentre a luminosidade natalina da época, ele vinha a enfrentar o aclive intenso da calçada com uma postura diferente de outrora e parecia algo cansado, já bem resfolegante, inclusive para puxar seu cão bem miúdo, fiel companheiro.

Senti que parecia puxar a vida...

Nós nos conhecemos há exatos vinte e dois anos, época na qual ele passeava diariamente com seu cãozinho pelo trajeto da rua; profissional das ciências exatas, contou-me também que era um mergulhador esportivo.

Era também dono dum conhecimento geral, duma robustez e fôlegos invejáveis.

Conversávamos sobre muitos assuntos cotidianos...

Falava de Ocenografia com brilho nos olhos e, de fato, tinha uma memória privilegiada, posto que me explicitava nomes difíceis, todos aqueles que especificam cientificamente as criaturas da fauna e flora dos oceanos.

Eu, interessada no assunto NATUREZA, viajava nos mergulhos dele, afinal, nada como mergulhar no alto oceano nesses dias tão quentes e instáveis das atuais e tão aquecidas estações de transição .

Nesse tempo, a cada encontro fortuito, ele me contava uma novidade de vida.

O tempo passava e eu notava que suas histórias agora mais eram de perdas sucessivas, assim como ocorre na vida de todos.

Perdera o primeiro cão, o segundo...o terceiro.

O atual , embora não pareça, também caminha rapidamente pelo seu tempo. Já pouco responde aos meus costumeiros chamados.

Certa vez me contara da perda sofrida da esposa; noutra, da perda de amigos queridos de profissão e de mergulho..

"Fazer o quê? é a vida..." suspirava ele, resignado mas sempre me abrindo seu amplo sorriso.

"Com o tempo todos os verbos são conjugados muito mais no pretérito..." pensei.

Aos poucos, passei a notar que as suas conclusões sobre nossas conversas, as sobre o nosso todo costumeiro, passaram a ser espartanas e repetitivamente concluídas do mesmo modo: "sem Educação nada aqui terá solução". Como num monólogo.

Ele insistia no fato conclusivo e eu sabia que ele tinha toda razão. Fazia sentido.

Naquele fim de tarde, no entanto, enquanto eu descia e o avistava de longe na sua difícil subida, bem de longe olhei para sua face algo triste e uma crônica de vida me passou pelo sentimento. Eu precisaria escrever.

Pela calçada alcancei meu portão antes dele passar por mim, entrei mas eu o esperei ali chegar para lhe falar um "oi".

"Olá, como vai o senhor?-quanto tempo!"-o interpelei numa entonação otimista, puxando uma conversinha.

E ele me olhou, me fitou com nítida dificuldade de reconhecimento visual, fixou a face no vão da grade do portão e assim me perguntou:

"Desculpa, eu não te conheço, mas poderia me falar que dia é hoje? É terça ou quinta?"

E olhando para as luzinhas acesas que piscavam sobre nós cravejou o meu sentimento e escreveu a minha crônica:

" Hoje já é Natal?