PENSO NO NATAL

Talvez falasse em consumo, em presentes, em comilança, em festa. Talvez falasse no Aniversariante, engendrando questões que explicassem ou tentassem esclarecer, sob um aspecto capitalista, porque não se preocupam com Ele, ou só o consideram de passagem. Talvez falasse do Natal, como um feriado para compartilhar com parentes e amigos, a celebração da vida, a tentativa de ser feliz, pelo menos por um dia. Talvez comentasse tudo isso, mas prefiro pensar no silêncio. No silêncio daqueles que sofrem em hospitais, dos marginalizados nos depósitos psiquiátricos, dos alienados da vida real, dos que perambulam pelas ruas, dos que bebem da água que sobra nas garrafas sujas, jogadas após uma noite de festa. Dos que procuram os restos nas alamedas desertas, acompanhando o destino do lixo, a cata de latinhas de cerveja ou refrigerante, ou mesmo de resto de alimentos. Dos que moram sob pontes ou favelas miseráveis. Dos amargurados, impedidos de falar, silenciados pelo peso da dor ou do jugo do parceiro. Das mulheres que descrêem da vida, apartadas do seus, nos desvios produzidos por regimes. Nos pais que não enterraram os filhos, ocultados sob a dor de períodos de trevas, onde a liberdade era apenas um discurso político, e apesar do passar do tempo, revivem a cada Natal, o sorriso do filho, que deixou o quarto intacto. No silêncio dos meninos de rua, dos palhaços de sinal, dos pedintes, dos incapazes de sonhar. Nos que morrem no trânsito, nos que se suicidam nas estradas, nos que fugiram covardemente da vida. Nos bêbados andrajosos, nos viciados, perdidos em noites escuras, estruturadas em túneis sem fim, bamboleando entre vielas sujas e mau-cheirosas, buscando o pouco de vida que lhes foge a cada acesso de prazer. Nos solitários, nos patéticos frente a monitores, assistindo de longe a vida como cenário abstrato de poucos, tão fugaz e inatingível. Dos que se perdem nos bastidores de softwares, chips, megas, tentando encontrar outros ou a si mesmo, impossibilitados das ações mais humanas. Nos velhos solitários, observando a vida da janela, borbulhando a dor nos ossos, na pele flácida, nos olhar aguado, assistindo as imagens em movimento, com alma em apuros, sentindo-se assim um item do passado, que o mundo esqueceu de conferir. Penso neles. E também nos que percorrem a vida com calma, vivenciam a dor humana, consolam, ajudam, compartilham. Por tudo isso, penso no Natal. Um Natal que muitos não possuem, ou talvez, não propriamente como projetamos em nossa imaginação, mas um Natal que se consagra aos poucos, no dia a dia de suas atribulações, quem sabe, um respaldo para o encontro maior com o Senhor.

Gilson Borges Corrêa
Enviado por Gilson Borges Corrêa em 23/12/2007
Reeditado em 05/09/2015
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