IMAGENS E EMOÇÕES QUE GUARDO DO NATAL
Evaldo da Veiga
O Natal está chegando, deixe chegar no tempo,
no momento de chegar.
Quando menino eu ficava ansioso com a chegada do Natal,
era a data do meu aniversário.
O ânimo maior não era o Natal em si,
ganhar presentes pelo aniversário e pelo Natal, nada disso.
Até porque no ambiente em que eu vivia, o nível financeiro não permitia presentes materiais; ainda bem, porque a troca de emoções
humanas falava bem alto, era um prêmio, grande riqueza
que se percebia e valorizava-se.
Só existe verdadeira beleza naquilo que sê vê de verdade,
com o olhar da alma, não naquele olhar
que olha na repetição da força do hábito.
Meus presentes de Natal vinham na LBA –
Legião Brasileira de Assistência.
Pegáva-mos um cartão tipo senha, que assegurava o presente,
mas não a ordem de chegada, e na véspera de Natal, em enorme fila, aguardáva-mos alegres o recebimento do presente
que poderia ser brinquedo ou tecido para fazer camisa e short.
Minha mãe sempre optou por tecido.
Assim, nunca ganhei brinquedo, e durante toda a infância
usei camisa e short com panos listrados da legião,
o que até favorecia minha identificação.
Pra quem ainda não me conhecia bem,
eu era aquele menino que usa roupa da legião.
Mas brinquedo comprado não fez falta ao meu estilo de vida;
fiz de um pedaço de pau um cavalinho e corria em galope;
fazia botão e meu time de futebol de mesa
era todo feito de casca de coco da Bahia,
em um processo lento de raspar com caco de vidro,
dá brilho na mesa de mármore do botequim...,
demorava, mas eram botões lindos, com o nome de Ademir da Guia,
Puskas, Distéfano, Perácio, numa época que o futuro Pelé
ainda estava em formação.
O Natal era de uma magia magnífica,
era o grande dia de minha vida, e eu aguardava o próximo Natal
reabastecido com emoções lindas do natal que findou.
No Natal meu pai não saía de casa,
meu padrinho Benjamim da Costa Freire, seus filhos e a mulher dele,
minha tia, iam cedo pra minha casa.
Meu padrinho dava atenção às crianças, era brincalhão,
excelente humor e era amigão do meu pai.
Gostar muito do meu pai era o caminho
certo pra chegar ao meu coração, eis que o meu amor e admiração
pelo meu pai eram imensos.
Meu pai foi criado na rua e nunca foi ao colégio,
mesmo assim, foi Presidente do sindicato dos Motoristas,
fundou e Presidiu a Associação do Desipe, conhecia bem
Direito Penal e Trabalhista, e eu achava lindo
meu pai lendo na janela do quarto onde
dormia-mos eu e meus irmãos.
Era um efeito pedagógico eficaz que não sei se era proposital,
mas foi o meu pai que despertou em mim a vontade de aprender
e aos cinco anos de idade eu já lia com algum desembaraço
as placas de propaganda, na época escassas.
No ônibus ao lado do meu pai eu ia lendo tudo que existia
escrito nas paredes, placas, e na “vista”dos ônibus
(letreiro que diz o destino do ônibus, estampado na frente,
acima do pára-brisas).
Meu pai ficava orgulhoso e me apresentava como
sendo o seu braço direito, o seu secretário:
- “este é o meu secretário” –
“ este é Evaldo, o meu braço direito”.
Como essas informações me fizeram feliz,
os maiores elogios que recebi e também “meu rico filho”,
que foi dito por Dona Rosalinda, mãe de Lairzinha,
e o falecido Sr. Moraes, meu sogro e grande amigo.
Meu pai não era chegado à bebida alcoólica,
mas no Natal bebia vinho e seus olhos ficavam pequenos e sorridentes,
era pra ele um dia feliz, bem feliz.
Em todos os Natais que vivi perto do meu pai ele estava bem feliz.
Em um deles, o vinho trouxe o sono e o meu pai deitou-se
em uma esteira colocada no quintal. Deitei ao seu lado
e já adormecido ele jogou a perna e o braço direito sobre mim.
Fiquei ali um tempão, imóvel para não acordar
o meu pai e mais ainda, pra não sair daquele lindo sonho acordado;
incomodava a posição, ainda mais pra mim um menino
que só vivia correndo.
Mas nada de sair dali, pra quê?
Naquele incômodo onde o tempo não passava nunca,
eu sentia o efeito de um carinho mágico.
Naquela época carinho de pai era olhar o filho com atenção,
falar coisas que se devia seguir na vida,
não havia beijo e abraço e eu tive a graça
de ficar abraçado com o meu pai por um longo tempo,
um belo momento de vida que jamais esqueci.
Imagem: Presépio de criação artesanal do querido amigo
José Fernando Duarte.
Sempre, em findando o ano, o Fernando retira
algumas horas do seu trabalho de administrador
e advogado, e dedica-se, carinhosamente, à construção do Presépio,
obra de arte que a cada ano fica mais linda.
evaldodaveiga@yahoo.com.br
Evaldo da Veiga
O Natal está chegando, deixe chegar no tempo,
no momento de chegar.
Quando menino eu ficava ansioso com a chegada do Natal,
era a data do meu aniversário.
O ânimo maior não era o Natal em si,
ganhar presentes pelo aniversário e pelo Natal, nada disso.
Até porque no ambiente em que eu vivia, o nível financeiro não permitia presentes materiais; ainda bem, porque a troca de emoções
humanas falava bem alto, era um prêmio, grande riqueza
que se percebia e valorizava-se.
Só existe verdadeira beleza naquilo que sê vê de verdade,
com o olhar da alma, não naquele olhar
que olha na repetição da força do hábito.
Meus presentes de Natal vinham na LBA –
Legião Brasileira de Assistência.
Pegáva-mos um cartão tipo senha, que assegurava o presente,
mas não a ordem de chegada, e na véspera de Natal, em enorme fila, aguardáva-mos alegres o recebimento do presente
que poderia ser brinquedo ou tecido para fazer camisa e short.
Minha mãe sempre optou por tecido.
Assim, nunca ganhei brinquedo, e durante toda a infância
usei camisa e short com panos listrados da legião,
o que até favorecia minha identificação.
Pra quem ainda não me conhecia bem,
eu era aquele menino que usa roupa da legião.
Mas brinquedo comprado não fez falta ao meu estilo de vida;
fiz de um pedaço de pau um cavalinho e corria em galope;
fazia botão e meu time de futebol de mesa
era todo feito de casca de coco da Bahia,
em um processo lento de raspar com caco de vidro,
dá brilho na mesa de mármore do botequim...,
demorava, mas eram botões lindos, com o nome de Ademir da Guia,
Puskas, Distéfano, Perácio, numa época que o futuro Pelé
ainda estava em formação.
O Natal era de uma magia magnífica,
era o grande dia de minha vida, e eu aguardava o próximo Natal
reabastecido com emoções lindas do natal que findou.
No Natal meu pai não saía de casa,
meu padrinho Benjamim da Costa Freire, seus filhos e a mulher dele,
minha tia, iam cedo pra minha casa.
Meu padrinho dava atenção às crianças, era brincalhão,
excelente humor e era amigão do meu pai.
Gostar muito do meu pai era o caminho
certo pra chegar ao meu coração, eis que o meu amor e admiração
pelo meu pai eram imensos.
Meu pai foi criado na rua e nunca foi ao colégio,
mesmo assim, foi Presidente do sindicato dos Motoristas,
fundou e Presidiu a Associação do Desipe, conhecia bem
Direito Penal e Trabalhista, e eu achava lindo
meu pai lendo na janela do quarto onde
dormia-mos eu e meus irmãos.
Era um efeito pedagógico eficaz que não sei se era proposital,
mas foi o meu pai que despertou em mim a vontade de aprender
e aos cinco anos de idade eu já lia com algum desembaraço
as placas de propaganda, na época escassas.
No ônibus ao lado do meu pai eu ia lendo tudo que existia
escrito nas paredes, placas, e na “vista”dos ônibus
(letreiro que diz o destino do ônibus, estampado na frente,
acima do pára-brisas).
Meu pai ficava orgulhoso e me apresentava como
sendo o seu braço direito, o seu secretário:
- “este é o meu secretário” –
“ este é Evaldo, o meu braço direito”.
Como essas informações me fizeram feliz,
os maiores elogios que recebi e também “meu rico filho”,
que foi dito por Dona Rosalinda, mãe de Lairzinha,
e o falecido Sr. Moraes, meu sogro e grande amigo.
Meu pai não era chegado à bebida alcoólica,
mas no Natal bebia vinho e seus olhos ficavam pequenos e sorridentes,
era pra ele um dia feliz, bem feliz.
Em todos os Natais que vivi perto do meu pai ele estava bem feliz.
Em um deles, o vinho trouxe o sono e o meu pai deitou-se
em uma esteira colocada no quintal. Deitei ao seu lado
e já adormecido ele jogou a perna e o braço direito sobre mim.
Fiquei ali um tempão, imóvel para não acordar
o meu pai e mais ainda, pra não sair daquele lindo sonho acordado;
incomodava a posição, ainda mais pra mim um menino
que só vivia correndo.
Mas nada de sair dali, pra quê?
Naquele incômodo onde o tempo não passava nunca,
eu sentia o efeito de um carinho mágico.
Naquela época carinho de pai era olhar o filho com atenção,
falar coisas que se devia seguir na vida,
não havia beijo e abraço e eu tive a graça
de ficar abraçado com o meu pai por um longo tempo,
um belo momento de vida que jamais esqueci.
Imagem: Presépio de criação artesanal do querido amigo
José Fernando Duarte.
Sempre, em findando o ano, o Fernando retira
algumas horas do seu trabalho de administrador
e advogado, e dedica-se, carinhosamente, à construção do Presépio,
obra de arte que a cada ano fica mais linda.
evaldodaveiga@yahoo.com.br