O Natal na minha infância
Dia 20 de dezembro, enquanto caia uma chuva torrencial em São Paulo, alguns colegas professores e eu tentávamos retirar a água que alagou o nosso pátio da escola e depois de findada a tarefa, de escoamento da água, alguns preparavam a churrasqueira, outros como o Guilherme descarregava as carnes e bebidas do carro, o Paulo preparava o sua aparelhagem de som e eu dava uma ajudazinha para um ou para outro.
Em um dado momento eu resolvi olhar os corredores molhados e vazios e fiquei incomodado com o total silêncio. Deu uma saudade danada da criançada fazendo barulho, chutando bola, correndo pelos corredores e pelo pátio, olhando celular, enchendo o saco dos inspetores etc.
Minutos depois de encerrado o temporal os professores começaram a chegar para a confraternização e pelo menos o silêncio do pátio fora quebrado pela música e pelos bate papos dos colegas bebendo, comendo, dançando e cantando no vídeo okê.
Lá pelas vinte e uma horas e trinta minutos, como sempre faço, sai sem me despedir das pessoas e fui solitariamente para o ponto de ônibus e enquanto aguardava o coletivo, lembrava me dos alunos que enchiam o meu saco ali no ponto gritando o meu nome ou algumas alunas parando para abraçarem me. Vi me perguntando: Como alguns dos nossos alunos passarão os seus natais e ano novo?
Ao entrar no ônibus fui relembrando de um determinado tempo da minha infância, quando eu ainda era aluno interno do Colégio de dona Rosa Oliveira Magalhães. Havia duas unidades: Uma feminina e uma masculina. Na unidade feminina ficavam as jovens, as adolescentes e as crianças de ambos os sexos.
Durante o período letivo o movimento era intenso com a quantidade de alunos internos, alunos esses que chegavam de todas as redondezas de Santa Maria da Vitória e até mesmo das Minas Gerais e São Paulo, todos com o intuito de estudarem.
Quando chegava o início de dezembro, por ocasião das férias letivas, todos os alunos retornavam para as suas casas e somente Rica minha irmã, Lurdinha e eu ficávamos no colégio com uma ou duas jovens, já que não tínhamos para onde irmos, como os demais alunos.
Durante o dia não havia problemas pois a criançada costumava brincar na nossa rua e eu estava sempre no meio dela. Também havia os encontros com alguns colegas na igreja para ensaiarmos a peça de natal que sempre era apresentada no dia vinte e cinco de dezembro. No serviço de auto falante da cidade e da igreja católica sempre tocava hinos de natal.
Nas ruas as outras crianças ostentavam sempre os seus presentes de natal, na maioria brinquedos e eu,sem presente algum, sentia-me presenteado também, quando algum amiguinho de rua deixava-me brincar um pouco com o seu presente.
Teve um natal que eu ganhei de Nem(Nelson) um livro de Tom e Jerry e neste mesmo natal a nossa igreja Presbiteriana deu presentinhos simbólicos para os alunos da liga juvenil. Eu ganhei um pequeno piãozinho de plástico duro com um saquinho de balinhas doces e confesso, que nunca me esqueci desses dois presentes, pois eles foram os primeiros que ganhei como presentes de natal.
O natal em minha cidade era uma dádiva dos céus! As casas engalanavam-se com árvores de natal fabricadas artesanalmente pelas mulheres e muitas outras casas construíam-se as suas lapinhas, uma mais linda do que a outra para os festejos de Santos Reis, após o dia vinte e cinco com termino no dia seis de janeiro, dia de Santos Reis, data essa tradicionalmente reservada para encerramento e desmanche das árvores de natal.
A Loja Coelho, chamada de Casa Coelho, de propriedade de dona Neusa Coelho e a Livraria Santa-mariense eram as responsáveis pelas vendas de artefatos de natal e ambas se enfeitavam com coisas de natal.
Quando eu retornava para o internato o que parecia muto sinistro era ter que dormir em um quarto sozinho, onde dormia uma média de sete alunos. E o mais tenebroso era olhar o grande corredor vazio e ouvir as músicas tocadas no Clube Recreativo dois de Julho na festa baile de natal, tradição que se perdurou por muito tempo.
O meu natal sempre era encerrado no silêncio do meu quarto mas com o barulho do lado externo e carregado de muita solidão, ouvindo o barulho da chuva caindo no telhado de papelão concentrado,o zumbir das muriçocas, o coaxar dos sapos nas lagoas formadas nos canudeiros e no quintal do internato, as músicas dos Jovens ou Magnatas e, carregado nesta mesma solidão, eu pegava no sono para só acordar no dia seguinte com o cantar dos galos.
O natal sempre esteve presente na minha vida! Com o passar dos anos as situações foram mudando mas a sensação de solidão esta nunca deixou de acompanhar-me ao longo dos anos. Mesmo nas multidões, parece estarmos sozinhos! As lojas estão lotadas e estamos sozinhos! As festas estão lotadas e estamos sozinhos!
Em vários lugares do mundo existem pessoas que estão sozinhas nesta data, sem paz, sem teto, sem esperança e sem pátria! Olhando para os corredores vazios da escola eu me perguntei: Como os nossos alunos passarão o seu natal? Principalmente aqueles que são despidos de carinho familiar! Será que se sentirão solitários como eu me senti muitas vezes. Sei que muitos deles já são solitários no dia a dia, como solitárias muitas pessoas estão neste atual momento do nosso país.
Mas na minha infância, apesar dos momentos de solidão, o meu natal era carregado de inteira felicidade e alegria, porque na minha cidade essa era a característica do nosso natal: Carregado de pureza,felicidade, harmonia, alegria! A chuva quando caia demonstrava a esperança, o que a diferencia desta chuva torrencial que caiu em São Paulo: Carregada de transtornos! Mas não por culpa da natureza e sim dos homens.
Enquanto não houver a boa vontade dos homens, o natal nunca será uma festa de confraternização: Mas de muita solidão! Por isso eu nunca jogo no olvidamento o verdeiro natal que eu tive na minha infância.
FELIZ NATAL A TODOS.