O Natal e o gatinho de Alice
“E quando menos se espera, lá vem de novo o Natal”. Foi com uma frase desse jeito que o repórter, atendendo a um pedido do redator e em crise de criatividade, iniciou seu texto sobre o nascimento do Menino Jesus. O que no meio jornalístico terminou por se configurar como uma piada, para nós hoje pode se tornar motivo de oração.
É que a vida vai passando, a cada dia mais corrida e com isto o stress e o cansaço terminam por nos convidar ao relaxamento. Aí ligamos o “piloto automático” e nos damos conta de que “quando menos se espera vai chegando o Natal”. Piloto automático instalado e se vive o risco de se tornar pessoas sonolentas que vão, como o samba diz, “deixando a vida me levar, vida leva eu”.
O objetivo da existência se torna menor e o seguimento pode se configurar em ritos e roteiros prévios a serem seguidos. Mais do que trabalhar nas questões vitais, se trabalha para o adiamento dos problemas e aí, sem culpa, encontrar um bom lugar onde não seja necessário pensar. Um local de marasmo talvez.
A questão é que esse lugar e dia são ilusórios. E aí, achando estarmos nele, meio adormecidos na tranquilidade do autoengano de se caminhar na boa rota, acabamos por ser contaminados pelo perigoso vírus da mesmice.
Ao contrário de alguns outros, esse vírus não provoca cefaleia, dores nas juntas, fraqueza e tosse. Ele faz pior. Picados pelo mosquito “mesmiceiro” a gente passa a considerar tudo normal. Um efeito colateral desse mal ganhou o nome de Normose. E, cuidado, eis que mesmo achando que se está em rápido movimento, a gente adoentado assim não consegue sair do lugar.
E aí me vem à lembrança uma história do nosso tempo de criança. Nela o gato mágico de Alice, o gatinho de Cheshire, ao ver a amiga correndo esbaforida de um lado para o outro lhe pergunta: “Alice, por que você corre tanto?” E ela responde: “Ah, gato, eu corro demais para permanecer sempre no mesmo lugar”...
O vírus da mesmice é esse que nos faz correr bastante, como se fora numa esteira. Corremos, corremos, corremos até nos cansarmos e não vamos a lugar algum. E mesmo que a gente consiga partir, vamos nos valer de novo do sábio gato da Alice. Ao perceber que ela está com sua bolsa pronta para sair, ele lhe indaga para aonde ela vai? E ela responde que não sabe. E ele então retruca. “Qualquer caminho e vento então lhe são favoráveis”.
Permanecer estacionado, ou partir para algum lugar que nem se sabe qual seja, seguindo qualquer vento. Duas situações que são totalmente contrárias ao espírito de prontidão fundamental à experiência do Tempo do Advento.
Viver o Advento é não permanecer parados e muito menos sair correndo em direções que não nos levem para perto daquele que esperamos no Natal. Ela nos impele na direção do mais. O Magis tão rico e significativo para Santo Inácio de Loyola. Ela é ferramenta para que partamos em direção à maior glória de Deus. E esse caminho do mais, nosso Magis, jamais pode ser feito na normose,, ou no piloto automático.
Rumar para o Magis é se colocar com as antenas ligadas, em prontidão, com atitude e ligeireza. Sim, de maneira ligeira, mas não na correria da Alice. Seguir para o Magis tem um começo muito bem definido. Ele se dá quando, num processo de discernimento, fazemos a opção pelo bem maior. Ao caminharmos para este Magis encontraremos em algum momento o nosso presépio.
“E vem chegando o Natal, quando a gente menos espera” e esta proximidade quer nos fazer mais atentos. Esta é a chamada da Igreja para que assumamos, na prontidão, a direção da vida. Nessa celebração do Natal somos convidados a dois olhares: rever a estrada percorrida e mirar para adiante, para os sinais do futuro.
Ao olhar o passado avaliamos a estrada percorrida e pedimos perdão por não termos caminhado, no ritmo Magis e conforme a nossa medida, rumo a uma das fronteiras discernidas. Ao olharmos o futuro checamos a bússola do discernimento feito, avaliando se estamos no rumo certo da fronteira na qual encontraremos, tal os Reis Magos, o nosso presépio primordial.
Feliz Natal, Ele está entre nós!